Filmes sobre a vida adolescente no colegial foram grande sucesso nos anos 80. Alguns se tornaram “clássicos” da Sessão da Tarde, como Te Pego Lá Fora, Namorada de Aluguel e Curtindo a Vida Adoidado. Homem-Aranha: De Volta Ao Lar busca justamente nesse bolo de longas “escolares” a atmosfera leve e divertida do dia-a-dia do ensino médio para marcar o retorno do super-herói às telas. Dessa vez, porém, o icônico super-herói é trazido por uma parceria entre Sony e Marvel, algo que poderia ser deixado de fora da crítica se fosse qualquer outro estúdio envolvido. Não a Marvel. E não falo isso como elogio, já que a fórmula da “Casa das Ideias” vem sendo há muito atacada pela crítica e, aos poucos, pelo público. A mão do estúdio se faz presente desde o primeiríssimo quadro de De Volta Ao Lar, mas nem sempre a referência respeita os limites entre filme e franquia.
A trama de De Volta Ao Lar é bem simples. Situado oito anos após os eventos do primeiro Vingadores, o longa apresenta seu protagonista já estabelecido como protetor das ruas de Nova Iorque enquanto tenta conciliar sua vida pessoal, que inclui seus amigos, sua tia, seu interesse amoroso e o colégio, com o alter-ego super-heroico. O planejamento de Peter Parker até caminha bem, mas a chegada de uma nova gangue de traficantes armados com equipamento alienígena ameaça a paz da cidade. Dificulta a situação do “Aranha” o fato de o protagonista precisar provar a Tony Stark que é capaz de se tornar um membro dos Vingadores, a mais importante equipe de super-heróis do planeta.
O diretor Jon Watts demonstra uma forte veia cômica em seu primeiro blockbuster. Se por um lado as piadas “marvelizadas”, cheias de referências e trocadilhos, já se tornaram insuportavelmente essenciais aos filmes da Marvel, Watts consegue dar um passo além e trazer novas formas de humor. A montagem, por exemplo, além de solucionar diálogos, enriquece as variações de comédia. Há momentos como quando um personagem pergunta sobre o responsável por uma escolha, e o corte para o plano seguinte estampa o rosto de Tony Stark. Uma forma sutil e limpa de fazer humor. Sem piadas desnecessárias. Até o cenário contribui para o humor, como na cena em que o Homem-Aranha discute com bandidos, enquanto, no fundo, vemos uma propaganda sobre proteção de identidade.
O curioso é que, se a Marvel já extrapolou todos os limites com seu humor característico em filmes como Doutor Estranho, aqui a escolha seria bem-vinda, já que o Homem-Aranha é, essencialmente, um personagem brincalhão, disfarçando a personalidade tímida e insegura de Peter Parker. Provavelmente por medo das críticas negativas, o roteiro pouco explora o lado divertido do herói. Se tal elemento fosse posto de lado para explorar o peso de ser um super-herói enquanto há inúmeros problemas pessoais para administrar, como é brilhantemente feito em Homem-Aranha 2, De Volta Ao Lar acertaria em cheio. Infelizmente, todas as tentativas de criar a dualidade entre vida pessoal x vida de herói são abordadas por apenas alguns segundos, e após isso a trama parte para sua próxima piada (que sempre é puxada por elementos visuais ou diálogos de outros personagens, poucas vezes pelo próprio Aranha). Os elementos Marvel trazidos também não acrescentam muito. Em sua primeira aparição fantasiado, em Guerra Civil, o personagem demonstrou um visual interessante graças à roupa feita por Tony Stark. Aqui, porém, o excesso de gadgets e interferências do Homem-de-Ferro tiram a força do Aranha, que mais parece um estagiário de protagonista do que um protagonista. A falta de recursos que proporcionava inventividade e limitações para o personagem foram grande marca não só nos gibis como nos filmes da trilogia Sam Raimi. Tendo tudo nas mãos, Parker mais parece um experimento do personagem de Robert Downey Jr do que qualquer outra coisa.
Sobre os personagens, o maior acerto do longa pouco terá espaço no texto, já que a proposta é uma crítica, não uma resenha. Direi apenas que é louvável o esforço da produção para criar um elenco com diversidade étnica como é feito aqui. O vilão pode aparentar ser mais um genérico do estúdio, mas desde a primeira cena ele ganha uma motivação, e, ao longo do filme, vamos conhecendo mais de sua personalidade, o que enriquece a experiência e torna-o menos esquecível. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre as cenas de ação de Jon Watts, essas sim, totalmente esquecíveis. Na cena de Washington, por exemplo, sua falta de domínio sobre a mise-en-scene torna o resgate protagonizado pelo Aranha visualmente confuso. A manutenção de um excesso de planos de ângulos diferentes e muitos elementos ancorando a cena acabam prejudicando a compreensão do que ocorre na tela. Já nos confrontos entre herói e vilão, não há nenhuma inspiração no uso dos cenários. Os poucos combates se resumem a bonecos de CGI trocando golpes, sem intenções criativas como na inspiradíssima cena do trem no filme de 2004.
Ao fim da projeção, a conclusão é que De Volta Ao Lar é mais uma história sobre Peter Parker do que sobre o super-herói que o menino encarna para proteger as ruas do Queens. O problema é que no micro universo de bairro criado para retratar a vida colegial, a presença da Marvel e de seus personagens aumenta as pretensões do longa a todo momento, fazendo com que o filme não seja nem tão intimista quanto se propõe originalmente, muito menos apoteótico como o estúdio gostaria (e até força para ser). A obra até se esforça para apresentar situações onde o personagem precisa abrir mão de algo por sua “carreira” de herói, como a ausência de Peter no decatlo escolar, mas nunca há consequências para tais escolhas, nem para os coadjuvantes envolvidos, nem para o herói. Nem precisamos ir longe para ver como um bom roteiro trabalharia tal questão: é só nos lembrarmos novamente de Homem-Aranha 2, quando Peter perde o coração de Mary Jane por ser incapaz de estar presente em sua peça de teatro.
Relegando ao elenco de apoio apenas os momentos de humor e não sendo capaz de mostrar seu protagonista sentindo o fardo de suas responsabilidades por sequer cinco minutos, o resultado é mais uma adaptação dos gibis que é engraçada, divertida e esquecível. A direção e a montagem até capricham na ala cômica da narrativa, mas nem a aventura, nem a ação e nem a profundidade emocional do personagem principal convencem nesse blockbuster que pouco alcança justamente por pouco pretender. Ainda é superior aos recentes longas protagonizados por Andrew Garfield, mas ainda é muito pouco para um dos mais queridos personagens da história dos quadrinhos.