Jessica Jones – 3ª temporada

Jessica Jones – 3ª temporada

Silenciosamente enlouquecendo juntos

Gustavo Pereira - 13 de julho de 2019

É puro palpite, mas a terceira temporada de “Jessica Jones” parece ter sido a única produzida com a consciência de que não haveria uma próxima. O arco da protagonista tem muito mais resoluções do que os dos seus colegas Defensores Luke Cage, Punho de Ferro e Demolidor. As apostas são mais altas, as consequências são mais definitivas. É uma série sem medo de arriscar. E os riscos se pagam com uma história final tão densa quanto coerente aos 26 episódios anteriores.

Jessica Jones Netflix terceira temporada 3 final

“Jessica Jones” segue com a sua atmosfera noir contemporânea, na qual a protagonista detetive está sempre acompanhada de uma garrafa de uísque em um escritório decrépito, mas veste jeans e usa a internet. A escolha por iluminação natural garante que mesmo cenas diurnas tenham penumbras, algo que reflete a própria natureza dos personagens. Ao transitar de um núcleo para outro (o escritório de Jessica, a firma de Hogarth, a casa de Trish), um plano holandês, com a câmera ligeiramente inclinada, reforça a ideia de que aquela realidade, embora ainda familiar, está fora do eixo.

Esse desequilíbrio é visto desde o começo da temporada. Os personagens em “Jessica Jones” estão quebrados, atormentados pelas vidas que levam. Se Jessica (Krysten Ritter) questiona o propósito da própria existência depois da morte da mãe, Malcolm (Eka Darville) sente estar perdendo sua essência no trabalho para Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss). Já Trish (Rachael Taylor) precisa, ao mesmo tempo, desenvolver e encontrar o melhor uso para os poderes que adquiriu na temporada passada, enquanto tenta se reaproximar de Jessica.

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Há uma dinâmica muito intrincada entre os personagens da série, com relações de causa e efeito de longo e curto prazo. Usando Trish como exemplo, o sentimento – quase um ressentimento – de que os poderes da irmã eram mal utilizados, presente desde a primeira temporada, resulta numa necessidade quase doentia da ex-atriz mirim de se provar melhor do que Jessica. Essa necessidade é realçada por um comportamento típico de dependentes químicos: Trish é agressiva, manipuladora e inconsequente.

Nos personagens apresentados neste temporada, “Jessica Jones” confirma sua intenção de falar sobre responsabilidades. Erik (Benjamin Walker) tem paralelismos diretos com Jessica: os dois tiveram as famílias destruídas por seus poderes, traumas amortecidos por bebida e misantropia. Gregory Sallinger (Jeremy Bobb), uma das forças antagonistas da série, escolhe como vítimas pessoas que ele considera “trapaceiras”, que tiveram a vida facilitada por dons que não mereciam ter, que vieram “sem esforço”.

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Sallinger tem uma particularidade simbólica nesta temporada final. Ele é o primeiro vilão que não está atrás de Jones. Ela praticamente tropeça no serial killer, que de outra forma nunca cruzaria seu caminho. Isso é fundamental para demonstrar a evolução da personagem. Porque ela não era obrigada a agir. Dessa forma, sua decisão voluntária de se opor a este que ela chama de “vilão por excelência” ganha contornos heroicos. Outro ponto interessante de Sallinger é que o seu discurso do homem branco mediano vítima de “trapaceiros”, “fraudes” e “feministas vingativas” pode ser ouvido no ambiente de trabalho, na televisão e até nas arenas de debate público. A lógica de um psicopata é referendada pela sociedade, algo tão perturbador quanto os crimes cometidos por ele.

A terceira temporada de “Jessica Jones” dá um ultimato a seus personagens. Coloca-os em situações-limite que, ao saírem, revelam suas verdadeiras naturezas. O tom particularmente amargurado das narrações de Jessica (outra característica do noir) já indicava que algo seria mudado para sempre. E muda. Em diferentes intensidades, os personagens vão enlouquecendo silenciosamente sob a pressão das desgraças presentes e passadas.

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É (outro) puro palpite, mas todas essas séries devem, eventualmente, ganhar continuações no Disney+. Não por acaso, “Jessica Jones” tem um final aberto, com potencial para que a história seja retomada. O que a Netflix fez foi garantir dignidade na saída de uma das suas personagens femininas mais relevantes, presente desde 2015 na plataforma. Conseguiu. E fará falta.

Assista a todos os episódios de “Jessica Jones” clicando aqui.

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