A obra selecionada pela França para representar o país no Oscar de Língua Estrangeira de 2018 começa com uma cena que, a princípio, confunde pelo excesso de diálogos e cortes que alternam dois momentos distintos. Mas, conforme compreendemos a cena, ela se mostra essencial para estabelecer o tom da trama. Ainda junto aos créditos de abertura, vemos um grupo de ativistas que buscam chamar atenção para situação dos infectados pela AIDS. Conforme vemos seu protesto, o longa alterna o evento com a reunião que precede a manifestação. Ali, o filme consegue dois feitos: imprimir urgência pelos cortes e diálogos rápidos; humanizar os manifestantes – que muitas vezes são vistos apenas como arruaceiros pelas autoridades, mídia e parte da população.
Nesse cenário, 120 Batimentos Por Minuto se inicia. Um filme que, ao passo que busca mostrar o drama de uma camada marginalizada da sociedade, nos lembra a cada diálogo que, por trás dos ativistas que (deliberadamente) incomodam o restante da sociedade, há seres humanos – algo que o roteiro fortalece com sucesso ao permitir que a obra tenha mais diálogos sobre as vidas pessoais dos personagens do que sobre seu ativismo.
A constante câmera na mão e os planos fechados nos rostos dos personagens são eficientes ao dar rosto para os ativistas retratados. Mas, mais que isso, funcionam para destacar cada emoção projetada em cena, dos sorrisos de pequenas conquistas e amores às lágrimas oriundas dos fracassos e da presença da AIDS. Com a manutenção dessa ideia de construção visual, 120 Batimentos permite que todo o elenco tenha um espaço para brilhar, fazendo com que a trama seja mais focada em retratar um grupo de indivíduos do que em acompanhar a jornada singular do protagonista. Ainda ajuda na construção dos sentimentos a utilização de luz natural por boa parte da projeção – a qual, quando o filme adquire tons mais intensos, cede lugar para o uso de mais luz artificial, ora branca, ora azul, ressaltando a fragilidade das vítimas da AIDS e retratando sua melancolia.
Indeciso entre aprofundar cada vez mais seus personagens e fazer de seu filme um manifesto político-social, o diretor e roteirista Robin Compillo acaba pecando em ambos na segunda parte da projeção. O que era uma trama equilibrada e interessante logo se desgasta e, lá para uma hora de projeção, 120 Batimentos Por Minuto deixa de ter o que dizer para apenas repetir o que já foi dito – o que torna a metade final da obra cansativa, já que a metragem prolonga-se até 140 minutos. Mesmo com os problemas rítmicos, o elenco ainda mantém o bom nível, com atuações que se transformam conforme os dilemas pessoais dos personagens saem das sombras de suas questões ativistas e tomam as rédeas de suas vidas.
Se, em sua primeira metade, 120 Batimentos Por Minuto se destaca por dar tempo de tela semelhante a todo o elenco, no ato final, com uma brusca mudança de tom, a obra pesa em torno de seu protagonista. Por um lado, isso funciona para criar um clímax mais dramático; por outro, compromete a ideia do filme de servir como um retrato macro de todo o movimento e seus muitos rostos. Como resultado, 120 Batimentos Por Minuto perde o fôlego e deixa de ser um filme que trabalha a humanização dos ativistas para ser emocionalmente intenso e, em certo ponto, até apelativo. Abre mão de trabalhar uma trama criativa para ser um drama como tantos outros já vistos.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.