Em ascensão desde Selma, que a levou à disputar o Oscar em 2015, Ava DuVernay vem se mostrando uma grande cineasta. Mas muito mais do que isso, um ícone na luta por respeito e direitos da comunidade negra. Em A 13ª Emenda, a diretora utiliza o formato documentário para traçar um paralelo entre o período da escravidão e a preocupante situação do sistema carcerário americano, a fim de explicitar a inegável violência que o Estado impõe sobre os jovens negros.
O paralelo é simples: a décima terceira emenda garante que nenhum cidadão americano será submetido a nenhuma forma de trabalho forçado, exceto se o indivíduo for criminoso condenado. Levando em conta que os Estados Unidos hoje possuem maior número de negros no sistema carcerário do que teve de escravos no período escravagista, a conclusão de que a 13ª emenda garante a manutenção do escravagismo é óbvia.
DuVernay não tem nenhuma pretensão de imprimir alguma sutileza à seu documentário. Já em sua parte inicial, utiliza o absurdo O Nascimento de Uma Nação para mostrar como o racismo está na essência americana. O filme, de D. W. Griffith, que em 1915 chegou a ser considerado o ápice da sétima arte, sendo sucesso absoluto de público e crítica, era uma bizarra propaganda racista. As imagens do filme que trazem personagens da Ku Klux Klan em situações heroicas e negros retratados de forma animalesca e primitiva não permitem segundas interpretações.
A fotografia de Hans Charles e Kira Kelly dá um dinamismo fantástico às entrevistas do filme, sempre utilizando variados enquadramentos do mesmo entrevistado e eventualmente utilizando movimentos de câmera para aproximar o rosto dos “personagens”, criando uma interessante sensação de imersão e tensão em relatos específicos. O uso dos enquadramentos também proporciona sutis simbolismos que enriquecem a narrativa, como nos planos em que um dos entrevistados é colocado no centro do plano, próximo de sair do campo de visão do espectador, enquanto vemos um contraste de cores no cenário que sugere o peso do racismo institucionalizado sobre os afro-americanos.
Mas é em sua montagem que A 13ª Emenda se destaca. As rápidas transições entre os depoimentos tornam o discurso extremamente fluido, dando a impressão de que estamos assistindo encaixes de diferentes pessoas lendo o mesmo texto. Entre as declarações, ainda são inseridas imagens históricas e atuais de violência contra a comunidade negra. A manutenção da fotografia em preto e branco tanto para imagens antigas quanto para as mais recentes é inteligente para aproximar os registros e dificultar a diferenciação, conduzindo o espectador ao óbvio: a violência contra os negros da América pouco mudou. Se não pela qualidade das imagens, encontramos dificuldade de distinguir a violência do passado e a atual.
Melhor ainda são as passagens nas quais a montagem mantém os áudios de comentários das autoridades sobre conflitos entre a força policial e jovens negros, mas por cima dos dizeres insere imagens de agressões de outras épocas. O encaixe não depende da eficiência da boa montagem, mas apenas da semelhança no discurso e nas atitudes do Estado na atualidade e no passado, que é evidente. Este paralelo entre passado e presente é importante para mostrar como o racismo perdura, apenas se transformando de acordo com a época.
O filme também faz bom uso de animações para ilustrar dados e informações apresentadas pelos entrevistados. Há, porém, um problema no miolo de A 13ª Emenda: vemos a violência no passado e no presente, mas simplesmente apontar o problema é insuficiente. A falta de aprofundamento e questionamento fazem com que o documentário ganhe um tom demasiadamente escolar, ao mesmo tempo que por não desenvolver tanto as causas e as soluções dos problemas apresentados, acaba atingindo mais um público já sensível a causa. Em suma: prega para convertidos.
Em momento algum a obra se propõe a construir a relação entre pobreza, desigualdade e criminalidade, focando apenas em escancarar como a questão é mal conduzida pelo país. Por outro lado, a escolha de apontar interesses privados por trás das ações de diversos governos a fim de enriquecer indústrias bilionárias evidencia não só a institucionalização do racismo, mas a cultura de corrupção presente nessas parcerias entre Estado e empresas.
No fim das contas, A 13ª Emenda te faz sentir incômodo, culpa, raiva e até alguma impotência diante da enorme máquina responsável pela manutenção da estrutura racista do sistema carcerário americano. Mas há de se destacar o vazio deixado pelo não aprofundamento da origem da criminalidade presente nas camadas mais pobres. Mesmo com esses pequenos deslizes, A 13ª Emenda é um documentário de suma importância social e política, principalmente para os lunáticos que ainda negam a existência de um sistema de ódio responsável pela mutilação da cultura e da população negra.