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A excêntrica família de Gaspard

A excêntrica família de Gaspard

O Cinema Francês é caracterizado por desenvolver personagens sem a necessidade de uma trama incomum. “Pessoas sendo pessoas”, na acepção do termo. É possível saber muito sobre uma pessoa tanto pela forma como ela passa manteiga no pão quanto pela maneira com que ela enfrenta uma invasão alienígena. E isso é um mérito, pois nós estamos sempre passando manteiga no pão e quase nunca enfrentando invasores de outros mundos. “A excêntrica família de Gaspard” não é um filme equivocado por tratar sobre o nada – “O Verão do Skylab” é uma pequena joia de Julie Delpy onde nada acontece. Antony Cordier fracassa por não desenvolver seus personagens, dar sentido a seus conflitos e, em última instância, justificar qualquer envolvimento emocional básico para que suas resoluções criassem impacto no espectador.

 

O filme tem uma dificuldade absurda para determinar quem é o seu protagonista. Embora sejamos levados a crer que a história é contada pelo olhar de Laura (Laetitia Dosch), que começa como a representação do “seguir o fluxo”, numa cena hilária onde conhece Gaspard (Félix Moati). Ela decide acompanhá-lo até o zoológico da família, onde Max (Johan Heldenbergh), pai de Gaspard, vai se casar. “A excêntrica família de Gaspard” nunca explica a necessidade do convite (algo que qualquer comédia romântica americana, mesmo que de forma capenga, faz). Ainda assim, a proposta de apresentar estes personagens ao público pelo olhar de Laura, que também não os conhece, faria sentido.

Mas Laura, assim como todos os personagens do filme, não tem cinco minutos de desenvolvimento. Quando o filme termina, não aprendemos nada sobre ela: quem é, como pensa, seus sonhos, seus dilemas. Qualquer coisa que a relacione com Gaspard em qualquer nível. O próprio Gaspard, uma figura – declarada – como “brilhante, porém desperdiçada”, não tem um contraste claro entre o que ele é e o que ele poderia ser. Algo fundamental para que esse “desperdício” seja sentido. Quando, enfim, ele se prova o verdadeiro protagonista da história, temos muito pouca empatia por ele.

Existem simbolismos inexplorados nos elementos narrativos, como as cercas do zoológico, sempre quebrando e sendo remendadas, na eczema de Max e na pele de urso que Coline (Christa Theret) veste. Mas eles são apenas insinuados, sem serem devidamente explorados. Uma cerca que teima em se romper simboliza a incapacidade de proteger algo, mas qual a solução para isso? Qual o peso desta escolha? O que se perde e o que se ganha? Uma doença física representa uma invalidez psíquica. A cura da doença vai marcar a evolução do personagem? A ideia de ser quem não se é – e nem se pode ser – também marca uma incapacidade de encarar os fatos e seguir em frente. Mas o que prende Coline a isso? Do que ela precisa abrir mão para evoluir? “A excêntrica família de Gaspard” nunca demonstra preocupação em desenvolver estas ideias.

A própria relação de Coline com Gaspard, no mínimo problemática, é tratada com tal displicência que parece algo simplório, como alguém que gosta de pão com leite condensado (nota pessoal: não confiem em quem come pão com leite condensado). Quando ela rompe um ciclo vicioso e muda, o filme não havia construído as bases para este momento emocionante significar qualquer coisa.

Essa confusão é simbolizada no ato final, que se resolve com uma personagem surgida do nada menos de cinco minutos antes. “A excêntrica família de Gaspard” é um filme coxo. Se perde inúmeras vezes e termina como começou. Sem que as vidas daquelas pessoas representem qualquer coisa.

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