Sendo hoje um dos principais mercados de cinema do planeta, a China se tornou o grande alvo dos estúdios hollywoodianos. Homem de Ferro 3, por exemplo, teve cenas e personagens exclusivos para a versão chinesa do filme. A Grande Muralha é a atual aposta da Universal para seguir tal caminho. O escolhido para capitanear tal projeto é o excelente diretor Yimou Zhang (um dos mais importantes cineastas chineses da atualidade, responsável pelos elogiados O Clã das Adagas Voadoras e Herói).
Financeiramente o resultado é até respeitável. O filme teve uma bilheteria de 170 milhões na China, contra 21 milhões nos Estados Unidos e 74 no resto do mundo. Como arte e entretenimento, porém, A Grande Muralha, obra que acompanha uma dupla de mercenários que, em busca de pólvora acaba entrando em uma guerra milenar, é um desastre completo.
O plano inicial resume boa parte dos problemas do problema do filme. Acompanhamos uma cena feita inteiramente de forma digital em que passeamos pelo globo terrestre até chegar na muralha da China. Enquanto a câmera passeia pela paisagem (rápida, mas não o suficiente para esconder os efeitos bem ruins para a época em que estamos), acompanhamos uma introdução do conto que originou a história.
Já no primeiro ato vemos uma enxurrada de problemas na construção narrativa do filme. O roteiro insere elementos totalmente deslocados no cerne dos personagens, tornando óbvia a importância deles no decorrer da trama (frases como “eu não preciso disso agora, mas pode ser importante no futuro” incomodam), enquanto a direção e a fotografia, numa enorme preguiça de construir uma mise-en-scene decente, constroem cenas de combate onde somos incapazes de compreender qualquer frame ali presente, já que os planos em close-up e as câmeras tremidas e em constante movimento tornam tudo confuso.
Ao introduzir a dupla ocidental ao núcleo chines do filme, encontramos mais problemas. O protagonista de Matt Damon não só não possui a mínima expressão (é assustador que um ator tão talentoso tenha feito um trabalho tão ruim), como o roteiro sequer tenta dar alguma profundidade. Tirando a já exaustiva jornada do herói, o único momento que esboça algum desenvolvimento do personagem é quando este tem uma “crise de identidade” ao olhar seu reflexo. Momento que, absurdamente, é completamente ignorado por todo o resto da projeção.
Já Tovar, personagem do ótimo Pedro Pascal, é um saco de piadas ambulante. Para toda cena de drama que Gavin (Damon) conduz, há um complemento por piada de Tovar que tira qualquer seriedade do tom da obra. Já no núcleo oriental, vemos enorme esforço dos bons Jing Tian, Andy Lau e Zhang Hanyu como Lin Mae, Wang e Shao, mas o filme não demonstra o menor interesse em desenvolve-los, relegando à estes a tarefa de tornarem-se apenas suporte do “herói” Gavin.
Uma das poucas qualidades do filme é sua trilha sonora, sempre belíssima e capaz de tornar as cenas de ação grandiosas com arranjos orquestrais imponentes e bem variados. Infelizmente, seu uso não tem nenhum impacto, já que as cenas de ação se resumem a atores fantasiados enfrentando figuras inseridas digitalmente sem a menor presença.
O que poderia dar sobrevida à este filme é a direção de arte, mas nem aqui há algum acerto. Os cenários são extremamente genéricos e sem vida (isso quando não são, assim como os vilões, totalmente feitos digitalmente), enquanto a escolha estética dos uniformes do exército chinês mais parecem uma mistura de Shurato com Cavaleiros do Zodíaco. Não há nenhuma originalidade e a escolha de dividir o exército em esquadrões que se dividem por cores e uniformes idênticos não só dá um tom infantilizado à obra, como também é um sinal de preguiça impressionante.
O marketing de A Grande Muralha insiste em martelar a grandiosidade da produção e a empolgação de Matt Damon em trabalhar com o diretor. Ambos são, porém, dois defeitos imensos do filme. Zhang não traz nenhuma personalidade ao filme e sequer se esforça para dirigir o elenco. O deslocamento de Damon nos planos gerais que o inserem ao lado dos personagens orientais chega a incomodar. O que deveria ser o protagonista do filme é espectador da ação em boa parte da metragem, aparecendo pontualmente para “salvar” os chineses.
Já a tão falada “grandiosidade” do filme se resume à uma tonelada de efeitos digitais insípidos que não impressionariam nem o público de 2007. Há ainda um maroto uso de fumaça no ambiente para disfarçar a falta de cenários na guerra. Tudo isso sem mencionar a vergonha que é contar a história de uma milenar guerra entre chineses e criaturas fantásticas que é resolvida, claro, pelo ocidental que chega para salvar o mundo.
A Grande Muralha é um filme tecnicamente pobre, narrativamente covarde e esteticamente pavoroso, que só funciona pelo humor do carismático Pedro Pascal, mesmo que este tire todo o impacto dos dramas do filme (que já não são muitos, visto que personagens surgem e morrem a esmo durante a projeção). Que o excelente Yimou Zhang possa voltar ao seu cinema característico, recheado de poesia e grandiosidade, porque aqui só vimos um desperdício de dinheiro e de talento.