“A Lavanderia” é daqueles filmes americanos que encarnam com perfeição uma mentalidade progressista, mas superficial, hollywoodiana. Tem como tema o escândalo dos Panama Papers, material propício a um discurso supostamente anticapitalista, mas cujas conclusões se restringem a uma dimensão moral, quase religiosa, de condenação da ganância, e não a uma crítica realmente densa a práticas que se revelam, no fim das contas, inerentes a esse sistema econômico. “É preciso fazer algo”, parece gritar o filme, mas sem saber exatamente o quê.
Para disfarçar essa falta de profundidade, o roteirista Scott Z. Burns e o diretor Steven Soderbergh recorrem à metalinguagem e à autoironia. Os protagonistas do escândalo, os advogados Jürgen Mossack (Gary Oldman) e Ramón Fonseca (Antonio Banderas), atuam como personagens/narradores que interpelam o espectador a todo tempo, direcionando a narrativa de “A Lavanderia” para pequenas histórias de alguns de seus clientes. Há a do sujeito milionário que engana a esposa e a filha, que é até divertida, mas há outras absolutamente desinteressantes (especialmente a que se passa na China).
Na verdade, o filme tem dois núcleos mais consistentes: esse conduzido por Mossack e Fonseca e aquele que se pretende mais “humano”, menos cínico, protagonizado por Meryl Streep. Aqui surgem algumas poucas boas cenas, mas logo engolidas pelo impulso de esperteza de Burns e Soderbergh. A necessidade de construir uma narrativa autorreferente e sarcástica, que se quer portadora de uma crítica social urgente, leva “A Lavanderia” ao naufrágio (sem nenhum trocadilho com um episódio do início do filme). O que poderia ser um olhar minimamente cuidadoso para pessoas que sofrem as consequências de uma faceta brutal do capitalismo americano (no caso, não só a personagem de Streep, mas também os de David Schwimmer e Robert Patrick) se torna apenas um “A Grande Aposta” wannabe – o incensado filme de Adam McKay, aliás, já padecia desse problema, ainda que a intensidade de sua apropriação de uma linguagem fragmentada típica da internet criasse algo bem mais interessante.
Como “Erin Brockovich” (2000), “O Desinformante!” (2009) e “High Flying Bird” (2019), “A Lavanderia” é outro exemplar da filmografia de Soderbergh que tem como alvo grandes corporações. Mas lhe faltam os personagens carismáticos do primeiro, filme de narrativa mais convencional mas muito bem conduzida, e a criatividade do terceiro, que imagina uma situação de greve na NBA para pensar as possibilidades de criação de brechas num estado das coisas aparentemente inabalável. “A Lavanderia”, portanto, está mais próximo de “O Desinformante!”, não à toa também escrito por Scott Z. Burns. Eles compartilham a autoironia enfadonha e a vontade de falar de coisas importantes posta acima da boa contação de histórias e do desenvolvimento cuidadoso de suas figuras humanas.
Mas Burns e Soderbergh alcançaram um novo patamar aqui. “A Lavanderia” não tem graça quando se quer cômico, sabota uma potencial força dramática nos momentos mais sérios e insiste na estratégia tola e rasa de falar contra um “sistema” de forma genérica. Chega a lembrar o que há de pior nos filmes e séries de José Padilha. A cena final, em que Meryl Streep se despe da pesada maquiagem usada para encarnar uma segunda personagem e faz um discurso direto para a câmera, concluído com a atriz posando de Estátua da Liberdade, é o suprassumo do constrangimento desse progressismo superficial hollywoodiano. Sintetiza com perfeição um filme que poderia, no fim das contas, ter sido apenas um vídeo informativo e engraçadinho postado no YouTube.