A Lenda de Candyman

A Lenda de Candyman

O retorno do mito se mostra eficaz no horror, mas com inconsistências narrativas

Júlia Pulvirenti - 31 de agosto de 2021

A sequência de O Mistério de Candyman (1992), dirigido por Bernard Rose, aposta na temática racial para conduzir a narrativa. Mais do que uma continuação do primeiro filme, A Lenda de Candyman atualiza o mito e constrói sua própria visão sobre todo o universo que ronda a história. Nesta nova obra, temos Nia DaCosta na direção, que também assina o roteiro ao lado de Jordan Peele e Win Rosenfeld. Com esse time, já é possível entender que o terror é muito mais profundo do que parece.

O longa acompanha o casal Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) e Brianna Cartwright (Teyonah Parris), em uma relação discrepante. Ela, uma curadora de arte renomada. Ele, estagnado na carreira como pintor. Aqui, já notamos os valores que DaCosta faz questão de manter: é uma mulher que sustenta a casa. O homem depende dela para tudo, inclusive para tentar expor suas obras. Há, sem dúvidas, questões interessantes acerca da história da arte negra e a relação com o protagonista. É através de seu trabalho que o temido Candyman retorna. Anthony parece hipnotizado com a história do slasher. É como se ele entrasse em um transe a cada nova etapa da descoberta. Quando o artista pinta homens negros, quando caminha pela cidade em busca de respostas ou quando está expondo seu espelho macabro na galeria, temos uma câmera que viaja pelos ambientes de forma tensa. A sensação é de total estranhamento, porém, com uma pitada de curiosidade; precisamos descobrir o que está por vir, assim como o personagem.

Anthony demonstra ser o típico caso do artista obcecado e com a extrema necessidade de terminar seu trabalho. O “trabalho da sua vida”. Essa relação intensa existe em diversos filmes, como A Bela Intrigante (1991), de Jacques Rivette, Cisne Negro (2010), de Darren Aronofsky, Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), de Céline Sciamma. Porém, A Lenda de Candyman não se aprofunda nesta abordagem. Em um primeiro momento, há uma tentativa de adentrar na conexão de Anthony com a arte. No segundo e no terceiro ato, no entanto, o argumento perde força. A diretora mostra a questão da apropriação cultural. Em uma cena, uma crítica de arte insulta a obra do protagonista. Só depois que seu trabalho fica famoso, por conta das mortes em decorrência do chamado do Candyman, ela quer se aproximar do artista e passa a elogiar o feito. Isso fica na superficialidade. Se Anthony tivesse qualquer outra profissão, o filme poderia tomar o mesmo rumo.

Um ponto louvável é a direção de fotografia. Desde o início da película no cinema, os créditos aparecem invertidos, espelhados. Após, vemos os prédios de cabeça para baixo. O como se o filme estivesse questionando as estruturas convencionais, principalmente espaciais. Um exemplo disso, é a cena da morte da crítica. Uma mulher branca e rica, moradora de um lindo apartamento. Por meio de um zoom out, a câmera se desloca para expor os prédios altíssimos, as luzes da noite e o assassinato. O espaço tem um papel crucial na narrativa. Os personagens são engolidos por todas as construções e atormentados pelo passado cruel de escravidão e exploração. Aqui, a gentrificação (remodelação de áreas periféricas para espaços nobres ou comerciais) ocorre no bairro Cabrini-Green – o mesmo do primeiro filme. Mais uma vez, a direção expõe o racismo nos detalhes, no que não é visto e no que fica impresso para sempre, seja em estruturas físicas ou psicológicas.

Por esta razão, o espelho é tão importante no filme. O racismo é reflexo de um passado colonizador, que muitos insistem em não deixar para trás. Se no primeiro filme o body horror e o slasher estão ali para trazer o horror dos assassinatos e um Candyman indomável, na atualização há, definitivamente, o recorte racial e político. A repaginada na história é fundamental, principalmente em tempos tão difíceis como agora. Contudo, sinto que a obra se contradiz em alguns momentos. Muitas cenas exibem a criatura matando apenas pessoas brancas. Até mesmo a cena do banheiro na escola, que as garotas brancas fazem bullying com a estudante negra e acabam morrendo. Se a diretora quer trazer a ideia de que Candyman não é apenas um assassino, mas sim uma força da natureza derivada do racismo, uma espécie de espírito de vingança, por que ele mataria uma criança negra que estava brincando com o seu irmão? Inclusive, Candyman fala que não mata pessoas inocentes. Na produção de 1992, o monstro é impiedoso. Foi tão maltratado que deseja aniquilar qualquer pessoa que cruze seu caminho. No filme de 2021, aparentemente, a intenção é ser um manifesto antirracista. Por esta razão, algumas sequências parecem confusas. Ainda assim, A Lenda de Candyman consegue impactar com um drama/horror necessário, trazendo um olhar inovador sobre as assombrações raciais.

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