Em 1973, Hal Ashby dirigiu A Última Missão, comédia dramática sobre a rotina de dois oficiais da marinha norte-americana durante a Guerra do Vietnã. Com a tarefa de escoltar um jovem cadete até uma prisão, a dupla acaba fugindo ao do serviço, e junto ao cadete, partem para a farra. Trinta anos após, nas mãos do ótimo cineasta Richard Linklater, os personagens Lary Shepherd, Sal Nealson e Richard Mueller retornam para a continuação. Não há, porém, festas, mas luto. Larry reúne seus amigos para informar-lhes sobre a morte de seu filho, também militar, e convida os ex-colegas de serviço para o acompanharem até o funeral.
Linklater, um diretor que sempre demonstrou interesse em estudar o comportamento humano, como fez em filmes como os da trilogia “Antes” e Boyhood, volta a trabalhar o tema em A Melhor Escolha. Larry coopta seus antigos colegas não só para acompanhá-lo, mas para ajuda-lo a encontrar um norte em sua vida. Sal e Mueller, porém, são figuras praticamente opostas. Enquanto o primeiro tornou-se proprietário de um bar e mantém um estilo de vida em que almeja apenas beber e se divertir, Mueller se tornou um padre. Com isso, o roteiro cria uma relação interessante entre o trio: Larry, como protagonista, é o personagem sem rumo, que busca os conselhos de Sal e Mueller, que funcionam, ironicamente, como sua consciência.
É constante o uso de planos que trazem Larry centralizado com os amigos posicionados atrás de seus ombros. Em boa parte dessas cenas, a dupla tenta aconselhar Shepherd. Sal, como é de se esperar, sempre incentiva seu colega a agir instintivamente e extravasar sua dor, enquanto Mueller o aconselha a buscar forças na fé e agir de forma ponderada. Na relação com os três, há uma dinâmica que se repete de forma eficiente: Sal é sempre o sujeito encarregado pelo roteiro de trazer fatos novos à trama: ideias, piadas e soluções para os problemas. Larry, fragilizado, ora engaja, ora fica confuso, mas a única certeza é de que Mueller sempre será o personagem a frear o ímpeto dos colegas.
A Melhor Escolha consegue, ainda, trabalhar os efeitos da guerra em seus personagens. O Sal de Bryan Cranston, por exemplo, ainda é o mesmo sujeito interpretado por Jack Nicholson no filme de 1973, buscando na bebida e na farra uma forma de abstrair suas dores. Já o Mueller de Laurence Fishburne utiliza sua fé para pagar por seus pecados, tentando passar uma borracha por cima de seu histórico. Por sua vez, Larry, o protagonista, mostra-se um sujeito que se sente culpado pela morte do filho.
As atuações são um espetáculo à parte: Cranston traz seu já conhecido talento para comédias para construir um personagem que é expressivo, bem humorado, mas sensível quando o roteiro exige, utilizando muito de sua linguagem corporal para imprimir jovialidade ao personagem; Fishburne opta por uma construção visual mais contida, muito por conta do problema físico do personagem (Mueller é manco), e que ainda é acompanhada por um figurino que, de forma coesa e inteligente, mantém sempre poucas cores, geralmente com foco no preto. O protagonista, por sua vez, acaba sendo um conduíte de seus colegas. Larry, assim como nós, é jogado na posição de espectador, permitindo que A Melhor Escolha seja uma reflexão sobre luto e vida na qual os coadjuvantes são encarregados de nos trazerem as perguntas para que nós, por nós mesmos, encontremos as respostas.
Aliando o bom humor gerado pela interação de personagens tão opostos a um roteiro que trabalha, de forma sutil, os conflitos pessoais de cada um, A Melhor Escolha é um drama encantador pelo carisma de seu elenco e pela simplicidade e sobriedade com que é conduzido. Imprimindo a frieza do luto, há ainda a manutenção de uma fotografia gelada em seus tons, que traz planos estáticos, essenciais para imprimir realismo à imagem. Há de se enaltecer, também, a aposta de Linklater em close-ups silenciosos nos momentos mais intensos de seus personagens. Afinal, A Melhor Escolha é um filme sobre seus personagens, e apostar nos sentimentos e expressões de Steve Carell, Bryan Cranston e Laurence Fishburne é a melhor forma de tornar a narrativa intima e humana.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.