Plano Aberto

A Suspeita

Lá se vão alguns anos sem que o cinema brasileiro realize um grande exemplar do gênero policial, tão tradicional por aqui, de onde saíram obras-primas cheias de fúria como Assalto ao Trem Pagador (1962), Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1978), República dos Assassinos (1979) e O Sequestro (1981). Talvez Tropa de Elite e sua continuação tenham sido os últimos filmes nacionais dignos desse histórico, mesmo com todas as limitações e problemas que têm. Goste-se ou não do díptico sobre o Capitão Nascimento, há nele uma vibração, um prazer pelo trânsito por códigos de gênero, ausentes de obras mais recentes.

A Suspeita, de Pedro Peregrino, se esforça muito pouco para mudar esse cenário. O que se tem é mais um rascunho de filme, a partir do mote interessante mas muito subaproveitado de uma investigação posta em xeque pela condição mental da policial Lúcia (Glória Pires), a protagonista que sofre de Alzheimer. O ponto é que Peregrino e os roteiristas Thiago Dottori e Newton Cannito abrem mão do caminho mais arriscado de embaralhar elementos de realidade com a confusão experimentada pela personagem central – algo parecido com o que foi feito recentemente por Florian Zeller no excelente Meu Pai (2020), mas numa trama investigativa, em que esse tipo de artifício poderia gerar resultados narrativos bastante prazerosos. Ao invés disso, A Suspeita separa quase totalmente essas duas dimensões: os momentos de crise de Lúcia quase nunca levantam dúvidas no espectador sobre o desenrolar da trama policial.

E esse último se dá da forma mais desinteressante possível. O personagem apresentado como potencialmente corrupto realmente assume esse lugar em determinado momento – o que não seria um problema em si, se o filme não fizesse questão de tratar essa revelação como uma pequena, mas importante, reviravolta. E aquele que, por seu comportamento excessivamente afetuoso com a protagonista, parece destinado a se mostrar como o verdadeiro vilão, no que seria o grande plot twist de A Suspeita, de fato o faz. Sem contar que toda a investigação conduzida por Lúcia e as descobertas advindas dela são óbvias demais, espécie de requentado de histórias já contadas tantas vezes pelo cinema brasileiro, mas com bem mais vontade.

Visualmente, A Suspeita é coerente com a mornidão do desenvolvimento do enredo. Peregrino não tenta imprimir qualquer senso de urgência à narrativa de seu filme, estratégia mais comum no gênero. Pelo contrário – e aqui talvez até exista um mérito, ou ao menos uma coerência a ser reconhecida –, as imagens estão mergulhadas no mesmo torpor que caracteriza a condição de saúde da protagonista.  Mas é mesmo uma pena que o diretor aborde numa perspectiva cindida as duas esferas (a íntima e a policial) que compõem A Suspeita, se mostrando, nessa escolha, incapaz de dar densidade a qualquer uma delas.

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