“No princípio, era o verbo”. A frase, que marca a abertura na Bíblia do Evangelho de João, pode também ser definida como a maneira de se comunicar no mundo atual. O verbo vira peça fundamental para crítica, fundamento, análise, discussão e até manipulação. Nesse mundo dominado pelas mídias digitais, “Algo-Rhythm” idealiza como esse pensamento realmente chega nas pessoas. Estamos conectados em um mundo que destaca a todo instante a relevância de debater as mídias, até as restringindo. Todavia, até que ponto isso pode ser realmente bom ou ruim? Nossa democracia realmente pode estar ameaçada no mundo inteiro, ou ela sempre foi dessa forma? Questionamentos tem sido feitos cada vez mais, porém não de forma tão forte como esse curta.
A ideia é simples e básica para a narrativa. Em uma espécie de videoclipe de hip-hop, numa ideia bem similar ao canal Epic Rap Battles of History, vemos as propostas de uma candidata para um cargo executivo. Não fica claro no que ela está disputando e nem a importância de sua voz, entretanto, ela acaba por ser confrontada por um homem que se diz uma espécie de “guru da tecnologia”. Ele tem o poder de domínio das redes sociais, conseguindo modificar o pensamento da opinião pública. Assim, os algorítimos podem ser usados ao favor da candidata. O palanque de políticos sai da vida real e passa para o digital.
A direção da austríaca Manu Luksch já deixa claro a forma como entenderemos esse debate: através de uma imagem também virtual. Em tempos onde filmes como “Dilema das Redes” fazem sucesso, mesmo trabalhando muito o óbvio, “Algo-Rhythm” deixa claro que até a forma que debatemos no mundo é virtualizada. Assim, nos confrontamos com uma narrativa sempre de fundos falsos, uma espécie de jogo digitalizado, em que o homem dito poder controlar tudo, também brinca com as próprias imagens genéricas de redes. Luksch faz desse conceito um elemento central para o desenvolvimento dessa trama. É como se tentasse sair de uma areia movediça, mas sendo impossível. Estamos já conectados em um cosmo que nos estimula a todo instante.
O que torna um fator mais interessante para realização do curta é o debate acontecer sempre na forma de música, de hip-hop. E isso advém da ideia da base do que é o gênero musical, algo popularesco, formado pelas massas para as massas, além da sua sempre visível crítica social muito forte. Desse jeito, a direção defronta uma espécie de olhar quase contraditório. Enquanto estamos enfurnados em uma discussão profunda e moral sobre o uso das mídias, a que ponto a população verdadeiramente atingida está se encontrando? Uma produção artística de massa, pode ser uma maneira de encontrar esses, os perdidos nesse emaranhado de informação. É natural que todos estarão na mesma lama, porém não da mesma forma.
Em uma espécie de tendência da “crítica social foda”, “Algo-Rhythm” tenta se entender como um filme nada militante, mas sim discursivo. É quase, em sua duração de 15 minutos, uma prova de redação, e não um artigo acadêmico. A busca é muito profunda e pode atingir a todos no debate sobre o atual momento político e das dinâmicas sociais, isso é um fato. O que Manu Luksch faz é colocar isso em xeque, duvidando de até que ponto nós como sociedade estamos preparados para a forma que essa discussão se dará. O recurso de um ritmo musical que usa menos o lado instrumental e mais o da fala parece uma opção. Afinal, o verbo da Bíblia, hoje é a expressão, a liberdade, o pensamento. E esses não estão mais apenas nas cabeças de cada um, porém também nos dedos que digitam cada palavra, assim como nos daquele que constroem rimas.