Lá se vão cinco anos do impeachment de Dilma Rousseff. Como desde então foram lançados alguns filmes sobre esse processo cheio de ilegalidades e injustiças, já dá para traçar algumas recorrências e diferenças no interior desse conjunto representacional. Alvorada, de Anna Muylaert e Lô Politi, mais recente abordagem fílmica do tema, é um documentário observacional que registra o cotidiano do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, nos dias entre a abertura do impeachment na Câmara dos Deputados e a confirmação da destituição da presidente.
Por isso, está mais próximo de O Processo (2018), de Maria Augusta Ramos, do que dos estilisticamente ecléticos Excelentíssimos (2018), de Douglas Duarte, e Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa. Muylaert e Politi, diretoras aliás pouco afeitas ao gênero, surpreendem ao optarem por um rigor na construção de seu filme que reduz a possibilidade de um discurso político mais enfático. Elas respeitam o recorte espacial proposto e jamais tiram a câmera do Alvorada, mesmo no clímax do processo de impeachment (as cenas do julgamento de Dilma no plenário do Congresso Nacional só aparecem quando os funcionários do palácio estão vendo TV).
Esse rigor, inclusive, é maior que o do próprio O Processo, já que o filme de Ramos, apesar de também observacional, não restringe o deslocamento de sua câmera para espaços além do Senado Federal, onde transcorre boa parte de sua narrativa. Isso dá a Alvorada um certo ar wisemaniano, ainda que falte à dupla de diretoras a disposição para tornar a observação exaustiva, colocá-la acima da dedicação a uma personagem específica. Porque aqui há a figura incontornável de Dilma e o documentário de Muylaert e Politi acaba não se decidindo totalmente se quer ser sobre a presidente ou sobre o funcionamento do palácio. No fim das contas, não consegue nem desvelar Dilma de fato nem dar a conhecer todos os meandros da moradia presidencial. Tem-se apenas fragmentos de ambos.
Ao menos Alvorada escapa da armadilha de forçar coesão na relação com Dilma, mantendo na narrativa os momentos de tensão, de interrupção das filmagens a pedido da presidente, que não queria a gravação de determinadas conversas. E Muylaert e Politi são muito eficazes sobretudo na explicitação de um estado de isolamento em que a mandatária, prestes a ser derrubada, se encontrava. Há no filme um desânimo impregnante, que emerge dos atos dos vários personagens (ministros, assessores, aliados, funcionários do palácio) que parecem sempre quixotescos diante de um desfecho inexorável. Aqui sim o olhar duplo de Alvorada, para Dilma e para o palácio, produz sentidos interessantes, na medida em que a interação entre os dois objetos resulta num comentário desolador sobre esse momento recente do país.