É incrível, mas também compreensível o quanto “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” rejeita elementos essenciais para o cinema. O divertido “Animais Fantásticos e Onde Habitam” já havia exposto uma enorme dificuldade de J.K. Rowling de escrever um roteiro cinematográfico – mesmo que seja uma boa argumentista, a britânica parece não compreender que a narrativa fílmica funciona com outro ritmo. Na continuação, porém, o problema atinge um novo patamar, e faz com que a nova obra do universo de “Harry Potter” pareça um trailer de duas horas. Personagens subdesenvolvidos, uma trama que não anda e um clímax ridiculamente verborrágico fazem com que este seja o pior longa-metragem ambientado no mundo mágico de Harry Potter. “Os Crimes de Grindelwald” está tão preocupado em preparar o terreno para a terceira parte da saga que se esquece de ser um filme (!).
A trama segue os eventos do filme de 2016, mas anulando simplesmente tudo que acontece ao fim de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”. Quem morreu, voltou; quem havia mudado de rumo na vida, retorna para onde estava; quem havia perdido a memória, a recuperou. Já em seu primeiro ato,”Os Crimes de Grindelwald” joga fora praticamente tudo que foi fechado por seu antecessor. É até difícil definir a trama em uma sinopse, já que o filme parece não ter qualquer objetivo concreto a não ser servir de ponte para sua continuação.
J.K. Rowling é uma escritora literária de qualidade inquestionável. E, como argumentista, certamente merece elogios. Para construir um roteiro de cinema, porém, a autora tropeça bastante. Não há o menor ritmo em seu texto. Em um livro, o ritmo é algo muito mais maleável, sendo influenciado pelo hábito do leitor. Com cinema, há que se ter uma estrutura de narrativa mais clara, algo que não ocorre em “Os Crimes de Grindelwald”. Para se ter uma noção do problema, o gatilho narrativo que deveria ser o mote para o protagonista engajar-se em uma causa ocorre apenas nos minutos finais do filme. É como se “Matrix” enrolasse tanto que terminasse com Neo decidindo tomar a pílula vermelha. Ou melhor, é como se “Harry Potter e a Pedra Filosofal” terminasse com Harry aceitando o convite de Hagrid para conhecer o mundo mágico.
A escolha do ponto de vista é outro problema de “Os Crimes de Grindelwald”. Na obra de 2017, o protagonismo de Newt Scamander era compreensível por se tratar de um filme norteado pela busca de Newt pelos animais que fugiram. No novo filme, porém, Newt não só tem pouquíssimo a acrescentar à trama, como parece nem se interessar pela jornada – e de fato não se interessa, já que o protagonista decide entrar na “guerra”, literalmente, no ato final do filme.
É nítido que a ideia era fazer de “Os Crimes de Grindelwald” uma história sobre a necessidade de posicionar-se em tempos de crise. As alegorias com a Segunda Guerra Mundial estão todas lá. Johnny Depp encarna em Grindelwald uma versão mística de Hitler. Não só seu discurso de extrema-direita muito se assemelha ao do líder do Terceiro Reich, como referências geográficas também se fazem presentes, como as passagens por França e Áustria, dois países muito importantes na trajetória alemã durante a Segunda Guerra. A ideia é traçar um paralelo entre um ideal de superioridade bruxa em relação aos “trouxas” – termo usado para humanos sem poderes mágicos – e a filosofia de Hitler sobre a superioridade ariana. O problema é que tudo surge de maneira tão superficial e mecânica, que o assunto que deveria ser central na narrativa acaba sendo apenas um comentário menor, que nunca é de fato desenvolvido.
Os assuntos acabam soterrados em uma trama prejudicada por um caminhão de explicações trazidas pelos múltiplos diálogos expositivos. O clímax de “Os Crimes de Grindelwald” traz uma sequência de plot twists que consiste em personagens explicando coisas… Por cima de outras explicações! É uma verborragia tão anti-climática e anti-cinematográfica que não compensa as mais de duas horas de projeção. É como se o filme não soubesse trabalhar os desdobramentos dramáticos daqueles personagens e selecionasse um momento para que todos, numa metafórica quebra de quarta parede, explicassem tudo tim-tim por tim-tim para o público.
O mais triste, porém, é perceber como havia potencial em “Os Crimes de Grindelwald”. Para aproveitá-lo melhor, seria interessante, por exemplo, partir do ponto de vista de um personagem que, no mínimo, tenha algum interesse pelos acontecimentos. O filme poderia, por exemplo, ter como protagonista o Albus Dumbledore de Jude Law, um personagem que, por caráter, se vê obrigado a enfrentar Grindelwald, mas não o faz por uma antiga promessa. Mais interessante ainda seria se a história fosse contada sob a perspectiva do Creedence de Ezra Miller, um personagem extremamente poderoso, mas incerto sobre seu futuro, procurando amparo e dividido entre o bem e o mal.
“Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” é um filme tão interessado pelo desenvolvimento de sua história quanto seu protagonista, que parece ser obrigado a participar as aventuras para as quais é convidado – e não deixa de ser engraçado ver como o constante movimento de Eddie Redmayne de desviar o olhar para baixo, que é uma muleta de atuação para o personagem parecer tímido, também funciona como piada para demonstrar o desinteresse de seu personagem. Temos em “Os Crimes de Grindelwald” o famoso filme de meio, mas é um filme de meio tão “de meio”, que esquece de ser filme. É um gigantesco trailer de duas horas que jamais inicia de fato sua jornada. Quem diria: o principal truque de mágica de uma obra do universo de Harry Potter não vem de uma varinha, mas de uma câmera e de um roteiro que vendem o almoço para comprar a janta. No fim das contas, é mais um estelionato cinematográfico do que um feitiço.