“Berenice Procura”, de Allan Fiterman, pretende ser uma espécie de crônica policial copacabanense. Adaptado do romance homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza, cuja obra é fortemente identificada com o bairro da zona sul carioca, o filme sobrepõe a história de uma taxista (Cláudia Abreu), em crise no casamento e com dificuldades de relacionamento com o filho adolescente (Caio Manhente), à investigação do assassinato de uma jovem travesti (Valentina Sampaio). Trafegando pelos dois núcleos está Domingos (Eduardo Moscovis), apresentador de um programa de TV sensacionalista – que, claro, explora midiaticamente o crime – e marido da protagonista. Mas há também outra frente narrativa, que opõe o irmão da vítima (Emílio Dantas) à ambiciosa dona da boate em que ela trabalhava (Vera Holtz).
A principal dificuldade do roteiro de Flávio Guimarães é dar liga a essa mistura complexa. A abertura de várias subtramas impossibilita que o filme consiga, em apenas uma hora e meia, se aprofundar em qualquer uma delas, ou ao menos se deleitar em alguma medida com os prazeres de fazer cinema de gênero. Quando tenta, por exemplo, comentar o papel pernicioso da imprensa marrom, “Berenice Procura” não vai além de algumas frases feitas postas na boca de Domingos, passando longe da mordacidade de um “Tropa de Elite 2” (2010) ou da implacabilidade de um “Assalto ao Trem Pagador” (1962) na abordagem do mesmo tema, e mergulhando em maniqueísmo ao fazer o personagem encarnar todos os males da história narrada.
Quando se dedica ao distanciamento familiar existente na casa de Berenice, o filme até consegue uma ou outra boa cena, sobretudo a partir do embate entre Abreu e Moscovis, mas derrapa no tratamento raso dispensado ao filho do casal, que deveria ocupar um espaço dramaticamente relevante na trama (em momento de descoberta e exploração de sua sexualidade, ele vive uma amizade não muito bem esclarecida com Isabelle, a travesti assassinada), ao invés de simplesmente ser transformado em ponte para a mãe conhecer Russo (Dantas) e iniciar um romance absolutamente sem sentido. Na comparação com personagem semelhante de outro filme brasileiro recente, “Mãe Só Há Uma” (2016), o adolescente de “Berenice Procura” é ofuscado por não ter suas questões minimamente desenvolvidas, servindo como adereço de cena só eventualmente lembrado pelo roteiro.
Por fim, quando tem que fazer um filme policial, Fiterman e Guimarães falham miseravelmente, se entregando a clichês do gênero que, inseridos na trama, nem sempre soam minimamente verossímeis. O interesse repentino de Berenice pela suposta inocência de Russo e seu plano para se infiltrar na boate de Greta (Holtz), por exemplo, são bastante aleatórios, integrando uma série de pequenos eventos que povoam a metade final da narrativa sem que consigam construir um todo minimamente harmônico. O personagem do delegado (Leonardo Brício), que entra em cena para aparentemente revelar relações escusas do submundo de Copacabana, das relações entre polícia e imprensa sensacionalista, é logo abandonado. E a oportunidade de brincar com um dos gêneros mais prazerosos do cinema, de fazer um neo-noir carioca sexualmente potente é logo desperdiçada. Sem contar o pavoroso Deus Ex-Machina que conclui a história.
“Berenice Procura” tem início com uma cena visualmente muito bonita, que, ao contrapor a paisagem deslumbrante da praia de Copacabana, com sua iluminação solar atravessando um conjunto de árvores, ao cadáver de uma travesti deixado no local, parece remeter a narrativas lynchianas, reveladoras da podridão e violência presentes sob superfícies paradisíacas. Mas isso também se perde em meio a pouca disposição do diretor e dos roteiristas para de fato mergulharem no submundo do bairro mais turístico do Rio de Janeiro. Eles não vão além de uma condução descuidada de tramas e personagens próprias do que há de pior na dramaturgia da televisão aberta brasileira.