Churchill se propõe a passar uma mensagem, mas todos os seus símbolos dizem o oposto. Mesmo às avessas, o filme de Jonathan Teplitzky tem o grande mérito de mostrar o primeiro-ministro britânico por um viés diferente do tradicional. Falta-lhe contextualização para que sua história faça sentido em si, mas certamente agradará aos interessados pela Segunda Guerra Mundial que cheguem ao cinema com algum conhecimento prévio.
Contido nas 96 horas que antecedem o Dia D, Churchill é um filme de guerra que não mostra nenhuma batalha. À parte as reuniões do Quartel-General Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas e uma revista às tropas, também não vemos símbolos militares. Teplitzky foca sua narrativa em como Winston Churchill, possivelmente o principal estadista do século XX, viu o momento de maior tensão da guerra contra o Eixo. Como a iminência da maior invasão anfíbia de todos os tempos (marca que prevalece até hoje) o assombrava. Como o medo de encaminhar tantos jovens para a morte lhe tirava a paz e o fazia reviver os fantasmas da Primeira Guerra Mundial. Principalmente, como suas reservas quanto a tudo isso eram solenemente ignoradas pelos demais, que o viam como ultrapassado.
A construção do primeiro ato do filme trabalha para estabelecer uma espécie de figura mitológica sombria, com Churchill (Brian Cox) caminhando pela praia e alucinando com o mar banhado em sangue, garantindo à sua esposa Clementine (Miranda Richardson) que “não pode deixar acontecer de novo”. Raposa política de oratória invejável, quase podemos acreditar que Churchill salvará o mundo sozinho, convencendo e manipulando figurões sem que estes notem.
Mas não. Churchill mostra um homem internamente desprezado na mesma medida em que é externamente reverenciado. O mestre das palavras nos discursos inspiradores não tem a menor habilidade social numa conversa com a esposa. A reação do público ao conhecer esta face oculta de Winston Churchill é representada em tela pela secretária Helen Garrett (Ella Purnell), que começa o filme falando “o senhor não vai nos abandonar” e chega a “eu pensei que o senhor fosse o homem mais corajoso da Inglaterra, mas vejo que não é”.
Escolhas do diretor reforçam esse choque entre a visão que Churchill tem de si e a que os demais têm dele. Numa conversa a portas fechadas com Dwight Eisenhower (John Slattery) e Bernard Montgomery (Julian Wadham), o americano lhe oferece um cigarro, quando Churchill mostra um do seus charutos, numa clara alusão a ter uma “bitola” maior em relação à do ianque. Isso é destacada nos enquadramentos, mas o resultado da conversa é totalmente oposto a essa demonstração de força, com o primeiro-ministro sendo abertamente desautorizado e excluído dos processos de tomada de decisão a respeito da Operação Overlord.
Conforme o filme se desenvolve, a fotografia faz escolhas elogiáveis para simbolizar esta “prisão” em que Churchill se vê. Após um fracasso, o carro em que Winston está é filmado por trás das grades do parapeito de sua residência oficial, como se ele próprio estivesse encarcerado. Em outra visita à praia, a câmera avança para deixar Churchill atrás de uma cerca de arame farpado, outra metáfora para o seu “cativeiro”. Ela também alterna planos entre geral e detalhe, mostrando um Churchill ao mesmo tempo pequeno dentro das milenares instituições britânicas e preso na sua incapacidade de tomar as decisões que gostaria.
Algo que compromete o filme é o excesso de liberdades poéticas inseridas gratuitamente. Por mais que seja marcante um grupo de crianças brincando encontrar Churchill e todos fazerem um “V de vitória”, é difícil crer que o primeiro-ministro britânico, em meio à Segunda Guerra Mundial, andaria com seu carro oficial sem escolta, permitindo que uma criança portando um objeto parecido com um rifle se aproximasse dele. O arco de Garrett, que já é uma personagem fraca, se torna meloso ao extremo quando traz seu noivo à tona. O próprio Churchill tem um momento forçado, que tenta ser ao mesmo tempo drama e comédia, sem convencer em nenhum dos dois. A atuação de Brian Cox, contudo, merece esta nota: ele interpreta Churchill livremente em momentos privados, reservando os tiques e as modulações tonais características do seu personagem para os discursos à nação. Isso ajuda a segmentar as facetas pública e privada do primeiro-ministro.
O grande mérito de Churchill acaba por ser seu maior equívoco: o filme acerta ao explorar um lado menos altivo de seu protagonista, mas conclui a projeção falando sobre ele como “o maior britânico de todos os tempos”. Com um recorte tão limitado, não há parâmetros para mensurar a grandeza de Churchill em abrir mão do protagonismo e se transformar num símbolo, assim como a Família Real. O roteiro tenta remediar a situação, inserindo frases artificiais nas bocas de Clementine e Jan Smuts (Richard Durden) sobre os grandes feitos de Churchill no passado, ou do lugar a ele reservado pela História ao fim da Guerra, mas não funciona. Para alguém que nunca se aprofundou na figura Winston Churchill, este filme parecerá a história de um velho senil e paranoico sendo colocado em seu devido lugar.
As pessoas devem estudar História para entender o passado e prevenir que erros grotescos se repitam, não para ver um filme. Este deve se bastar em si. Por ignorar isto, Churchill é um filme apenas bom, mesmo tendo chegado tão perto de ser excelente.