Michael Bay costuma carregar seu cinema de imagens e tons ufanistas. Bandeiras estadunidenses são frequentemente enquadradas em contra-plongée, tremulando lentamente, marchas militares são ouvidas como parte da trilha sonora, membros das Forças Armadas e outros agentes governamentais são protagonistas das histórias contadas. Republicano assumido, Bay parece transpor suas posições políticas para os filmes que dirigiu desde a década de 1990 sem qualquer filtro, passando longe da ambiguidade de um Clint Eastwood, por exemplo. “A Rocha” (1996), no entanto, é um caso à parte. Mesmo repetindo uma série de maneirismos do diretor e a predileção por uma construção grandiosa e, em parte, laudatória de ações comandadas por militares de seu país, há no filme a introdução de dois componentes que tornam esse olhar menos linear.
O primeiro deles é o vilão, General Hummel (Ed Harris), personagem cujas ações e motivações lembram as do escritor e paramilitar japonês Yukio Mishima – belissimamente biografado em “Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos” (1985), de Paul Schrader. Ao colocar nessa posição um herói de guerra dos Estados Unidos com motivações nacionalistas, os roteiristas David Weisberg, Douglas Cook e Mark Rosner instalam um conflito mais complexo, de difícil resolução, do que os existentes em “Armageddon” (1998), “Pearl Harbor” (2001) “13 Horas” (2016) e “Transformers” (2007-2017), por exemplo. O inimigo a ser derrotado pelos protagonistas de “A Rocha” não é um meteoro que ameaça a Terra, o exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial, jihadistas líbios ou robôs alienígenas sanguinários, mas um homem que encarna valores admirados pelo próprio diretor. E Bay se equilibra bem diante desse conflito, mantendo a grandiloquência ufanista e militarista na forma como filma Hummel, mas sem escamotear os erros do personagem.
O segundo componente é um dos heróis, John Mason (Sean Connery), justamente quem se contrapõe mais frontalmente ao vilão. Trata-se de um outsider, ex-espião britânico emprisionado por décadas pelo governo estadunidense por roubar informações sigilosas. Mason tem razões estritamente pessoais (fugir da prisão) para se engajar na missão contra Hummel e, ao finalmente confrontá-lo, estabelece um duelo discursivo bastante interessante. À invocação de Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos, feita pelo general (“A árvore da liberdade deve ser renovada de tempos em tempos com o sangue de patriotas e tiranos”), ele responde com a ironia de Oscar Wilde: “o patriotismo é uma virtude dos viciados”.
Como ao lado de Mason está Stanley Goodspeed (Nicolas Cage), agente do FBI sem nenhuma experiência de campo, Bay esboça a simpatia por heróis inusitados que seria intensificada em “Armageddon”. No entanto, enquanto nesse último filme tal fator pode ser associado à ideologia de valorização do homem comum, estadunidense médio portador dos valores necessários (coragem, iniciativa, amor à família) para salvar o dia, “A Rocha” é um pouco mais complexo, já que protagonizado por um estrangeiro que vive de enganar o governo dos Estados Unidos e por um cientista meio maluco. O contraponto entre o êxito dos dois na missão de derrotar Hummel e o fracasso da equipe militar que os antecede concretiza com clareza essa escolha do diretor.
Aliás, a excelente sequência do enfrentamento entre os subordinados do vilão e os marines comandados por Anderson (Michael Biehn) é emblemática de uma relação ainda bastante dúbia de Bay com as imagens em seus filmes. Nesse que é um dos momentos dramaticamente mais intensos de “A Rocha”, já que revelador das consequências nefastas das decisões de Hummel (ele é levado a comandar o massacre de seus pares), o diretor se mostra ao mesmo tempo um fetichista das imagens, recorrendo diversas vezes à câmera lenta para ressaltar a tragédia daquelas mortes, e um iconoclasta, fragmentando a cena pela montagem e fazendo uso de outros recursos visuais que comprometem a visibilidade da ação.
Talvez “A Rocha” seja o melhor filme de Bay justamente por revelar um diretor ainda dotado de ambiguidade, tanto no que se refere a seu propalado ufanismo, quanto na relação estabelecida entre narrativa e construção imagética – e, dentro dessa última, entre fetichização e iconoclastia. Até porque a ação, apesar de não deixar de ser um fim em si mesmo, aqui se submete em alguma medida a uma história bem articulada e divertida, protagonizada por ao menos dois personagens relativamente complexos (Mason e Hummel).