“Debi & Lóide” é um dos últimos representantes de um período que marcou o cinema norte-americano entre as décadas de 1980 e 90: nesses 15-20 anos, o stand up comedy era tão popular que um comediante famoso bastava para vender ingressos. Eddie Murphy é o grande símbolo dessa era (“Um Tira da Pesada”, “Um Príncipe em Nova York” e “O Professor Aloprado”), mas o próprio Jim Carrey não ficou atrás, emplacando nada menos que três filmes em 1994 (se juntam a “Debi & Lóide” “O Máskara” e “Ace Ventura: Um Detetive Diferente”).
Basicamente, as pessoas pagavam para assistir a um apanhado das mesmas situações comicamente inesperadas e piadas que tais humoristas faziam em seus shows. E não foi um tempo ruim para o cinema de comédia: os seis filmes citados acima são excelentes nessa proposta.
“Debi & Lóide” é vagamente inspirado no modelo clássico de comédia pastelão, especificamente no duo “O Gordo e o Magro”. Até os nomes (Lloyd e Harry / Laurel e Hardy) são similares. Lloyd Christmas (Jim Carrey) é o personagem infantilizado – em alguns momentos cruel – e Harry Dunne (Jeff Daniels) faz as vezes do pomposo, “racional”, mas tão idiota quanto. Usar um “molde” é inteligente porque já oferece caminhos para o roteiro percorrer na construção das situações cômicas. E fui surpreendido ao reparar o quanto o roteiro, dentro de uma proposta de entretenimento leve, consegue resolver bem a questão do tempo.
Sistematicamente, Lloyd demonstra ser ignorante e socialmente inadequado. Confunde o sotaque austríaco com o do Nova Jérsei, pensa que Aspen fica na Califórnia, faz comentários rudes sobre o propósito dos idosos etc. Já Harry é estabanado: suja os cães com mostarda, incendeia as calças e gruda a língua numa barra de ferro congelada. Essa construção de personalidade nas piadas enriquece o clímax, quando Lloyd precisa ter uma postura razoável para conquistar Mary (Lauren Holly) e Harry tem sua perícia posta à prova para salvar o dia. O absurdo da situação em si já faz metade do trabalho em garantir as risadas. Outro aspecto positivo do storytelling é a piada de construção lenta em que os vilões do filme interpretam as idiotices dos protagonistas como sinais de uma inteligência maquiavélica.
Embalando esse pacote honesto de entretenimento, “Debi & Lóide” se apresenta como um “filme de estrada”, gênero que o autor David Laderman definiu no seu livro “Driving Visions” como uma “rebelião contra normas sociais conservadoras”. Os protagonistas são dois fracassados que fogem devendo a conta de gás, enganam caminhoneiros, humilham a polícia e derrotam os bandidos. A história começa na Hope Street (literalmente, “Rua da Esperança”) e termina com a dupla esperando por dias melhores, mudados pelos eventos de sua aventura, mas de certa forma ainda os mesmos.
Curiosamente, Peter Farrelly foi encontrar reconhecimento 20 anos depois com outro road movie: “Green Book” recebeu três prêmios no Oscar, incluindo os de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original.