Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros (1994)

Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros (1994)

Não gostar de besteirol é desvio de caráter

Gustavo Pereira - 4 de abril de 2019

“Debi & Lóide” é um dos últimos representantes de um período que marcou o cinema norte-americano entre as décadas de 1980 e 90: nesses 15-20 anos, o stand up comedy era tão popular que um comediante famoso bastava para vender ingressos. Eddie Murphy é o grande símbolo dessa era (“Um Tira da Pesada”, “Um Príncipe em Nova York” e “O Professor Aloprado”), mas o próprio Jim Carrey não ficou atrás, emplacando nada menos que três filmes em 1994 (se juntam a “Debi & Lóide” “O Máskara” e “Ace Ventura: Um Detetive Diferente”).

Basicamente, as pessoas pagavam para assistir a um apanhado das mesmas situações comicamente inesperadas e piadas que tais humoristas faziam em seus shows. E não foi um tempo ruim para o cinema de comédia: os seis filmes citados acima são excelentes nessa proposta.

Debi & Lóide Jim Carrey Jeff Daniels

“Debi & Lóide” é vagamente inspirado no modelo clássico de comédia pastelão, especificamente no duo “O Gordo e o Magro”. Até os nomes (Lloyd e Harry / Laurel e Hardy) são similares. Lloyd Christmas (Jim Carrey) é o personagem infantilizado – em alguns momentos cruel – e Harry Dunne (Jeff Daniels) faz as vezes do pomposo, “racional”, mas tão idiota quanto. Usar um “molde” é inteligente porque já oferece caminhos para o roteiro percorrer na construção das situações cômicas. E fui surpreendido ao reparar o quanto o roteiro, dentro de uma proposta de entretenimento leve, consegue resolver bem a questão do tempo.

Sistematicamente, Lloyd demonstra ser ignorante e socialmente inadequado. Confunde o sotaque austríaco com o do Nova Jérsei, pensa que Aspen fica na Califórnia, faz comentários rudes sobre o propósito dos idosos etc. Já Harry é estabanado: suja os cães com mostarda, incendeia as calças e gruda a língua numa barra de ferro congelada. Essa construção de personalidade nas piadas enriquece o clímax, quando Lloyd precisa ter uma postura razoável para conquistar Mary (Lauren Holly) e Harry tem sua perícia posta à prova para salvar o dia. O absurdo da situação em si já faz metade do trabalho em garantir as risadas. Outro aspecto positivo do storytelling é a piada de construção lenta em que os vilões do filme interpretam as idiotices dos protagonistas como sinais de uma inteligência maquiavélica.

Debi & Lóide Jim Carrey Jeff Daniels

Embalando esse pacote honesto de entretenimento, “Debi & Lóide” se apresenta como um “filme de estrada”, gênero que o autor David Laderman definiu no seu livro “Driving Visions” como uma “rebelião contra normas sociais conservadoras”. Os protagonistas são dois fracassados que fogem devendo a conta de gás, enganam caminhoneiros, humilham a polícia e derrotam os bandidos. A história começa na Hope Street (literalmente, “Rua da Esperança”) e termina com a dupla esperando por dias melhores, mudados pelos eventos de sua aventura, mas de certa forma ainda os mesmos.

Debi & Lóide Jim Carrey Jeff Daniels

Curiosamente, Peter Farrelly foi encontrar reconhecimento 20 anos depois com outro road movie: “Green Book” recebeu três prêmios no Oscar, incluindo os de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original.

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