O fim do século XIX foi um período extremamente intenso e marcante para a trajetória dos Estados Unidos. A Guerra de Secessão marcou não só o fim da escravatura como o começo da luta por igualdade por parte do povo negro. Há três formas ideais de retratar esse período num filme. A primeira é dar vida à uma biografia de uma figura importante do período. A segunda é desenhar a história de um personagem e inseri-lo nos acontecimentos mais importantes. A terceira é adotar um tom mais documental, focando no escopo maior e menos nos dramas pessoais. Estado de Liberdade tenta misturar as três opções e resulta numa obra longa, rasa e cansativa.
Pegando fatos históricos isolados e cobrindo com um véu de ficção, Estado de Liberdade conta a história da Guerra Civil Americana e suas consequências. Acompanhamos Newton Knight (Matthew McConaughey), um fazendeiro que serve como enfermeiro e, em certo momento, desiste da guerra e foge para um pântano. Lá, junto de outros desertores e alguns escravos fugitivos, começa a formar uma pequena aliança para enfrentar a Confederação e conquistar sua liberdade.
O primeiro ato do filme, mesmo genérico, é eficiente. O tom violento característico de um tempo onde as guerras eram travadas não com fuzis, mas com baionetas, é bem estabelecido principalmente pelas fortes imagens de ferimentos e mortes estampadas na parte frontal dos planos. Esse ato, porém, prejudicado pelo roteiro, que ao não desenvolver suficientemente os personagens e seus relacionamentos, apressa acontecimentos que poderiam dar mais peso à trama.
No segundo ato há uma forte mudança de tom. Após alguns conflitos, Newton é obrigado a se esconder num pântano, onde se aproxima de um grupo de escravos. Ao mesmo tempo acompanhamos pequenos trechos situados no século seguinte, que contam a história do julgamento de um descendente do protagonista. Esta inserção é mal encaixada na narrativa, possui pouco conteúdo e, além de ficar totalmente alheia ao resto da trama, torna o filme confuso, sendo o ponto baixo do longa.
No meio do gigantesco segundo ato, a trama começa a perder a coesão. Personagens começam a ignorar a existência de suas próprias famílias e outros que estavam desaparecidos aparecem de acordo com a necessidade da cada subtrama. O maior defeito, no entanto, é a má utilização do núcleo dos escravos. Antes importantes no desenvolvimento de Newton, os fugitivos, liderados por Moses (interpretado pelo bom Mahershala Ali, o Remy de House Of Cards), tornam-se figurantes, substituídos por vazios e desinteressantes ex-companheiros de guerra do protagonista.
Tentando amarrar os 140 minutos de filme, a edição parece ter retalhado momentos importantes, deixando um nítido buraco entre as tramas do filme. A montagem não compensa. Além das inserções totalmente desnecessárias de cenas dos descendentes de Newton, não consegue acompanhar as mudanças de tom do longa e deixa sua segunda metade arrastada e confusa.
A trilha sonora é praticamente inexistente, servindo exclusivamente como um remendo para a má montagem. A música de Estado de Liberdade só está presente nas transições entre cenas, não dando impacto à nenhum dos momentos dramáticos do filme. Este drama, aliás, também é praticamente nulo, já que não só o roteiro de Gary Ross não aprofunda nenhum dos personagens, como a direção (também de Ross) também não dá a oportunidade de nenhum dos atores mostrar seu talento. Há momentos onde vemos o esforço dos intérpretes para tentar emocionar, mas o roteiro os acorrenta.
Não sabendo qual caminho seguir, o longa perde a oportunidade não só de construir uma narrativa cativante e educativa, mas também não funciona como produto de entretenimento. Começando como drama de guerra, se tornando posteriormente uma aventura de sobrevivência e, graças ao péssimo roteiro, encerrando quase como um documentário (Gary Ross parece preferir legendas e fotos antigas do que desenvolver a história pelo script), Estado de Liberdade é um verdadeiro monstro de Frankenstein narrativo.