Snowden (desnecessariamente adaptado para Snowden: Herói ou Traidor) conta a história do analista de sistemas que revelou ao mundo um esquema de espionagem do governo americano. Com ajuda da CIA e da Agência de Segurança Nacional, os Estados Unidos monitoraram todos os celulares, computadores e mídias sociais do planeta, incluindo os aparelhos e perfis de todos os líderes mundiais, a fim de controlar a economia e a política global. Edward Snowden, então, vazou estas informações e fez a história encontrar a luz do dia.
No longa de Oliver Stone, cineasta com grande bagagem política (Wall Street, Nixon, JFK), acompanhamos a vida de Ed desde sua entrada na CIA, em 2004, até o vazamento dos arquivos confidenciais do governo, em 2013. O primeiro arco do filme foca em apresentar Snowden, seu relacionamento com a fotógrafa Lindsay (Shailene Woodley) e seus primeiros passos no trabalho para o governo, após deixar o exército por problemas físicos.
Mesmo não entrando na discussão política de democratas contra republicanos, Stone é extremamente competente em desconstruir a visão de Snowden, que quando jovem era conservador e também em apresentar gradualmente essa desconstrução para o espectador. O diretor faz dessa subtrama política um dos pontos mais interessantes do arco do protagonista, mostrando como na época do vazamento, o analista, que já foi conservador e liberal, se viu totalmente alheio ao corrupto e invasivo sistema americano, independente da posição política.
O diretor também tem mérito na construção da obsessão de Snowden, que quando passa a se posicionar contra o governo, constantemente é retratado em planos mais distantes, sugerindo que esteja sendo observado, estando inquieto, neurótico e com medo de qualquer barulho ou câmera que aponte em sua direção.
As câmeras, aliás, são um belo e sutil método que Stone encontrou para mostrar o vazio deixado por Lindsay na vida do personagem quando este se viu obrigado a se distanciar a companheira. O momento onde Snowden se incomoda com a presença de uma lente e expressa solidão é posteriormente intensificado com uma cena da namorada fotografando o protagonista.
A obra também é muito competente ao mostrar, com a mesma sutileza, a deterioração dos relacionamentos do protagonista e de sua sanidade mental. Além da fantástica atuação de Joseph Gordon-Levitt (digna de indicação ao Oscar, diga-se de passagem), a direção, ao longo do filme, não só posiciona o analista mais isolado no quadro, como em posição de inferioridade ante seus superiores (como na fantástica cena onde ele conversa com seu chefe, Corbin, por vídeo, e o mesmo ocupa a parede inteira, com sua cabeça sendo maior que o corpo inteiro de Snowden).
Além de construir um assustadoramente verossímil protagonista, principalmente graças ao timbre de voz emulado com perfeição, Gordon-Levitt também é inteligente ao mostrar a perda de auto-confiança de Snowden quando o personagem passa a ter diálogos com postura mais encolhida, em alguns momentos com sua cabeça baixa, revelando seu incômodo com a situação e sua fraqueza diante de um governo autoritário.
A trilha sonora do filme tem seus tropeços, como quando não consegue acompanhar o drama de um diálogo importante e passa um tom diferente do roteiro e da direção, mas acerta em todo o resto da projeção, principalmente quando tenta dar intensidade às transições entre cenas e criar uma ambientação ameaçadora (muito favorecida pela fotografia escura de alguns momentos).
A falta de intensidade da narrativa, que poderia vir a ser um problema, é contornada com a ágil montagem, que torna o longa muito dinâmico, mesmo com o excesso de diálogos e falta de momentos de mais ação e drama. O único defeito que pode vir a incomodar é a manutenção de um tom muito constante durante a segunda metade dos 134 minutos de projeção da obra.
Mesmo prolongando sua conclusão por mais tempo do que o necessário e falhando em criar um encerramento emotivo, como parece ter sido idealizado por Oliver Stone, Snowden: Herói ou Traidor é uma obra com muito valor de entretenimento e importante ao retratar o maior caso de invasão de privacidade da história da humanidade, sem nenhum medo de culpar o governo americano. Capaz também de defender e atacar, quando necessário, tanto o partido republicano quanto o democrata, se posicionando totalmente à parte do atual sistema e mostrando que ambos, no fim das contas, não são tão diferentes quanto os eleitores pensam.