É interessante a aura de epílogo de uma carreira que envolveu alguns dos últimos filmes de Clint Eastwood, especialmente aqueles também protagonizados por ele. Nessa constante busca por um encerramento perfeito para uma trajetória profissional memorável, principalmente Gran Torino (2008), A Mula (2018) e agora Cry Macho: O Caminho para Redenção estiveram nesse lugar, até por possuírem certo impulso revisionista – aliás, já presente em Os Imperdoáveis (1992), que também parecia um ponto de chegada na filmografia de Eastwood, o que hoje soa ridículo, depois de quase 30 anos de alta produtividade. Nos dois primeiros casos, tal expectativa de ponto final foi logo superada pelo aparecimento de novos projetos do diretor, aparentemente menos pessoais (respectivamente, Invictus, de 2009, e O Caso Richard Jewell, de 2019).
Mas se alguns desses filmes de fato assumem um tom conclusivo, dotando-se de certa autoimportância em narrativas sombrias e melancólicas, Cry Macho segue outro rumo. Predomina aqui o clima de “filme da semana”, de aventura desprovida de grande peso dramático e cuja história evita sobressaltos, mantendo seus personagens numa jornada linear em que tudo parece fadado a dar certo. A dinâmica entre Mike (Eastwood), Rafo (Eduardo Minett) e o galo Macho exemplifica isso bem: ela transcorre de forma tão prosaica, até com considerável inocência, que chega um ponto em que já não há qualquer risco de um destino minimamente trágico para qualquer um desses personagens, mesmo que existam forças potencialmente violentas ao seu redor. Otimista e generoso, Cry Macho não é sobre a morte ou a proximidade dela, mas sobre a vida como uma fonte quase infinita de oportunidades. Nem os conflitos geracionais e culturais de Gran Torino e A Mula interessam mais a Eastwood, ainda que o material lhe permitisse enveredar por esses caminhos.
O gesto de se despir de uma capa de gravidade, no entanto, não torna Cry Macho um corpo estranho na filmografia do diretor. Retornam aqui alguns temas recorrentes, como a constituição de famílias de excluídos nas franjas da sociedade e o próprio envelhecimento, ainda que Eastwood não carregue demais na autodepreciação de sua idade avançada. Além disso, a lógica de “filme da semana” já existia na obra recente do diretor: apesar de Sniper Americano (2014), Sully (2016), 15h17: Trem para Paris (2018), A Mula e O Caso Richard Jewell não adotarem o sensacionalismo, todos poderiam ser descritos como “histórias inacreditáveis vividas por homens comuns”, um mote típico desse tipo de narrativa.
E é sobretudo na persistência de uma postura relaxada (alguns chamariam de desleixada) diante do fazer cinema que Cry Macho se mostra bastante eastwoodiano. Se por acaso esse for o canto do cisne do diretor, como tantos outros poderiam ter sido, manterá a coerência, pela discrição e despretensão, com uma filmografia iniciada, há exatos 50 anos, nesses mesmos termos. Mas não representaria o gran finale, a obra-prima consagradora esperada pelos amantes de trajetórias artísticas teleológicas, semelhantes a um enredo ficcional classicista e moralista.
Curiosamente, isso é algo de certa forma comentado pelo protagonista de Cry Macho, num diálogo importante com o adolescente Rafo sobre a vida não fornecer todas as respostas e a necessidade de se fazer escolhas diante dessa incompletude e inconclusividade. Provavelmente, se Eastwood voltar a filmar, o fará nessa mesma toada cool, despreocupada, distante de qualquer busca por um grande fechamento para sua obra, que já é magnífica.