Plano Aberto

Death Note

Em 2017 a Netflix vem se especializando em produzir filmes ruins. Sonhos LúcidosSlamNuMáquina de Guerra são só alguns dos exemplares do péssimo ano que vive o serviço de streaming. É normal, portanto, que a expectativa em cima de Death Note seja praticamente nula – o que é até bom, já que, na minha humilde opinião, todo filme merece ser visto sem nenhuma expectativa. Nem uma visita sem esperanças, porém, pode preparar o espectador para o grande desastre que é a adaptação do cultuado mangá de Tsugumi Ohba. Mal dirigido, mal escrito, mal atuado, mal fotografado e, principalmente, pessimamente montado, Death Note faz uma outra adaptação Hollywoodiana para um mangá, Ghost In The Shell, parecer O Sétimo Selo.

A trama acompanha o adolescente Light Turner, jovem de Seattle que, sendo o nerd típico do cinema americano, sofre bullying na escola, é ignorado pela “mocinha”, tem problemas em casa e faz o dever de casa dos colegas para se enturmar. Tudo muda quando Light encontra um caderno intitulado Death Note, item demoníaco que permite ao portador matar qualquer pessoa do mundo, precisando saber apenas o nome completo e ter em mente o rosto de sua vítima. Enquanto torna-se um cultuado serial killer, Light entra na mira de L, misterioso detetive que pretende identificar e impedir que Turner continue sua onda de assassinatos.

Infectado pela sintomática necessidade do cinema americano de explicar tudo, o roteiro de Death Note é pedestre. Tudo que o espectador precisa saber não é sugerido ou demonstrado, mas vomitado por meio de intermináveis diálogos entre Light e Ryuk (Willem Dafoe), o demônio que persegue o detentor do caderno. Desde as regras mais básicas às possíveis reviravoltas da trama, tudo é sempre mastigado nas conversas, que não deixam espaço para interpretação ou absorção. Mas engana-se quem pensa que o problema do script se limite à exposição, já que os personagens também são rasos como uma piscina de plástico, trazendo apenas características estereotipadas e inteligência maleável, que altera-se dependendo da necessidade do filme.

A montagem é, possivelmente, o pior aspecto da obra. Death Note não tem cenas, tem “passagens”. Em uma segunda visita (que vai demorar bastante para acontecer), poderia enumerar quase uma dúzia de acontecimentos importantes que ocorrem em cenas de dez segundos (ou menos).  O resultado, obviamente, é um filme recheado de conflitos que não só não empolgam, como não impactam e beiram o ridículo, dando uma estética similar à uma esquete. Também não ajuda a pavorosa atuação do protagonista, Nat Wolff, que não só não encontra o equilíbrio entre o sadismo e a normalidade, como imprime expressões e vozes dignas de uma comédia pastelão em momentos  que claramente foram planejados, tanto no texto quanto na fotografia, para funcionarem como terror.

Tentando criar uma atmosfera noir, o filme utiliza muitas cenas externas com sombras e chuvas, além de um excesso de iluminação neon vermelha e azul. É até interessante a escolha – mesmo que os planos holandeses não façam sentido algum e mais pareçam um exibicionismo estético – mas o roteiro sempre destrói qualquer possibilidade de criar uma atmosfera mais policial na obra – principalmente pelo fato do filme se calcar em inúmeros micro-conflitos que surgem e se resolvem em poucos minutos. Ainda prejudica a indecisão da obra: Death Note quer ser um romance adolescente e um drama policial sobre buscar justiça com as próprias mãos, mas fracassa em ambos.

O relacionamento entre Light e Mia é tão profundo quanto uma vala, não havendo sequer um elemento que justifique a paixão dos dois. Antes da introdução do caderno, as únicas relações entre o casal são quando a moça ignora ou deixa o rapaz na mão, tornando pouco crível a enorme paixão que surge entre eles.  Teria, então, Light se apaixonado só pela beleza da jovem? Ou seria uma síndrome de Estocolmo involuntária? Em qualquer um dos casos, não há muito o que elogiar. Também não há esforço em fazer com que o espectador sinta alguma empatia por “L”, que tira suas soluções de detetive do “além” e parece mais com um Deus Ex Machina ambulante do que um grande detetive.

Já quando tenta tratar do ímpeto de justiça de Light, a obra se afunda ainda mais, dependendo de elementos extremamente pueris para desenvolver sua insatisfação com a justiça do mundo – ou alguém realmente acha que apanhar na escola pode contribuir para alguém se tornar um serial killer? Já a segunda motivação (a morte da mãe) até poderia ser melhor trabalhada, mas não só não vemos o impacto da perda no protagonista, como é inexistente qualquer sinal de luto no pai dele. Death Note tenta fazer da perda da mãe a grande motivação do protagonista sem antes desenvolver tal relação, seja por flashbacks, cenas que sugiram o vazio deixado pela perda ou até mesmo diálogos bobos. Simplesmente não há nada.

Death Note não é só um fracasso absoluto em termos técnicos e narrativos, como também uma obra auto-indulgente, apressada, vazia e infiel às próprias ideias. Não pode ser bom sinal quando o momento mais intenso de um filme é uma discussão presente no primeiro ato. Torna tudo ainda mais lamentável a impressão de que os envolvidos realmente acreditam estar entregando uma obra cheia de questionamentos profundos. Mais parece que um grupo de adolescentes leu sobre filosofia e justiça na wikipédia e passaram a sentir-se doutores nos temas. Assim como a Marvel Studios vem se especializando em filmes pasteurizados e genéricos, a Netflix parece ter tomado gosto por obras que desafiam os limites da pobreza audiovisual.

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