O filme de Quentin Dupieux já nasce fadado a quebrar convenções. Uma das principais convenções do audiovisual, por exemplo, é apresentar a ideia central da obra já em seu ato de abertura, algo que “Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo” joga no lixo ao nos permitir compreender plenamente qual a proposta de Dupieux apenas no segundo ato. Mas a narrativa criada pelo francês vai além: seu longa também parte de um cinema mais formal (não no sentido de forma fílmica, mas no de rigidez) para transformar-se em um slasher descompromissado com as lógicas narrativas mais típicas.
“A Jaqueta de Couro de Cervo” acompanha um sujeito que se isola em um hotel no interior da França com sua recém adquirida jaqueta de couro de cervo. O personagem, quando perguntado sobre o que faz, reluta antes de inventar a história de que é um diretor de cinema. Curiosamente, esse protagonista, Georges, de fato se torna um diretor ao longo do filme. “A Jaqueta” apresenta um personagem que, inicialmente, parece totalmente à deriva, até que encontra-se justamente nas experiências, improvisos e sugestões que surgem de suas interações com outros personagens.
A primeira metade do filme sugere um desdém para um tipo de cinema mais pretensioso, como o do diretor Yorgos Lanthimos. Não à toa, a trilha aposta em arranjos de cordas semelhantes ao de “O Lagosta” em situações que, a priori, não sugerem nenhuma tensão clara. O fato de o próprio protagonista apresentar-se como um diretor sem mesmo ter ideia de o que está fazendo – algo que fica claro quando ele expõe não saber sobre o que é seu projeto – reitera essa crítica à arte “pedante” de diretores como Lanthimos. O interessante, porém, é como Georges aos poucos dá vida a uma obra totalmente instintiva e bruta, um verdadeiro slasher, no qual ele sai para caçar pessoas e roubar seus… Casacos.
Sabendo aproveitar o humor de maneira crescente – se as primeiras cenas causam apenas estranheza, todas as bizarrices que surgem e a forma caricata com que os personagens lidam com ela fazem o ato final ser uma piada completa –, “A Jaqueta” desconstrói nossas impressões iniciais para transformar-se em um filme muito mais direto e distante das complexidades que o ato inicial poderia sugerir. As incertezas, sutilezas e mistérios são substituídos por um filme que parece guiado unicamente pelos instintos de seu protagonista. O sujeito de terno que inicia a projeção, logo, se torna um verdadeiro vilão; nas suas próprias palavras, no “estilo matador”, como Jason, Freddie e Myers.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2019. Para conferir toda a nossa cobertura, clique aqui.