Duas perguntas para uma pós-sessão do novo documentário da Petra Costa, lançamento da Netflix: “O que há de novo no cinema político?” e, principalmente, “o que há de político no novo cinema?”. As duas perguntas caminham para uma negativa em comum. “Democracia em Vertigem”, uma colagem narrativa intimista que abrange desde a primeira vitória presidencial de Lula até a ascensão bolsonarista, nunca parece ir além do caquético em níveis políticos, poéticos e cinematográficos.
A seleção das imagens de arquivo surge como um mérito inicial. Existe uma potência inegável e inerente às comemorações públicas pela subida de Lula ao planalto, aos confrontos populares contra forças policiais e aos mais recentes registros de um governo em queda livre. Petra tem uma boa condução desses arquivos, uma série de escolhas mais precisas, urgentes em revelar imagens ou relembrar imagens já reveladas. O contraponto dessa precisão ocorre no balanço desajustado dos entornos das imagens, optando por uma narração que deveria “amarrá-las” (quando, na realidade, sua sucessão intocada já demonstraria causas e consequências) e uma trilha constante em opereta que não parece confiar no poder natural e próprio dos arquivos que seleciona.
Petra não respeita as imagens por si só e mantém uma visão de mundo autocentrada que desmerece toda uma narrativa. Além disso, há uma percepção poetizada do nefasto que é moralmente repreensível e cinematograficamente empobrecedora. A diretora repassa imagens das figuras mais execráveis de nossa história política, de golpistas a neofascistas, enquanto sugere citações demagógicas óbvias (puxa-se até Shakespeare da cartola). A tentativa de criar um documento pessoal sobre o golpe de estado e a perseguição política do Brasil atual cai por terra quando Petra parece a protagonista e autora do processo, tendo o fim de toda a montagem do filme em si mesma. É a cafonice burguesa de pensar que os mais prejudicados com a desestruturação de uma democracia são os que “sonhavam com uma esquerda”, e não com as consequências concretas, físicas e brutais dessa queda em cima das classes baixas.
Não é o primeiro e não deve ser o último trabalho a circundar os registros entorno do golpe de 2016. “Democracia” segue “O Processo” (2018, Maria Augusta Ramos) e “Excelentíssimos” (2018, Douglas Duarte). Petra e seu documentário reiteram a suspeita de que ainda não parece acontecer um movimento mais agressivo em reação ao clima trevoso de 2019, pelo menos não no cinema.
A acomodação em passar as mesmas imagens tórridas e não conseguir trata-las como um terror que incite novos sentimentos, novas ideias a partir de outras montagens, e só caminhem junto de facilidades da cineasta, deixa um sentimento de vazio ao longo da projeção. Enquanto surgirem em formas fáceis de som, texto e direção, não vão suscitar muita coisa além de uma revolta quadrada e limitada.
Na condução documental egocêntrica de um assassinato pouco poético e muito estripado da democracia brasileira, “Democracia em Vertigem” acaba não oferecendo muita coisa. Conta uma história conhecida, vista e revista, pelas lentes mais desinteressantes possíveis e pelo desperdício de uma boa quantidade de arquivos essenciais. Um ensaio que desfavorece as emergências e necessidades violentas da filmografia nacional. Em resumo: um documentário com o selo Netflix que nunca foge dessa estampa.