A cena final de Vive l’Amour (1994) é um dos momentos mais fortes do cinema de Tsai Ming-liang: o diretor malaio-taiwanês filma em close sua protagonista, sustentando o enquadramento por longos minutos até que a mulher desaba num choro compulsivo e desesperado. Aqui está uma espécie de síntese da obra de Tsai, o encontro de seu olhar paciente e observador, sempre interessado nos gestos e ações ordinárias, com a crença de que desse grande nada cotidiano costuma surgir irrupções dramáticas muito poderosas.
Dias, novo filme do diretor, se estrutura todo segundo essa mesma lógica. O enredo mínimo acompanha dois personagens, um homem de meia idade, Kang (Lee Kang-sheng), e um rapaz, Anong (Anong Houngheuangsy), ambos solitários, realizando afazeres banais diante da câmera quase sempre estática: preparando o almoço, tomando banho, dormindo, contemplando o vazio. Raramente Tsai recorre a cortes dentro de uma cena, logo, os planos se estendem. A sensação criada na primeira hora de filme é de um experimento no estilo de Jornada para o Oeste (2014), que aproxima o cinema do diretor de uma instalação, já que pouco apegado à contação de histórias (algo percebido ainda nos créditos iniciais de Dias, que anunciam a ausência proposital de legendas).
É também nesses primeiros blocos de cenas que Tsai apresenta, sem muitos detalhes, a condição de saúde de um de seus personagens: uma dor crônica no pescoço que o leva a diferentes tratamentos e que remete ao sofrimento do protagonista de O Rio (1997), interpretado pelo mesmo Lee Kang-sheng. Algum tipo de impulso narrativo começa a se articular nessa conexão com um momento anterior da filmografia do diretor, mas tal articulação se dá de fato na promoção de um encontro entre os dois homens.
Como um Lumière redivivo, Tsai instala sua câmera em espaços públicos e privados para registrar o movimento de corpos, a dinâmica da cidade, a rotina como matéria bruta da vida humana. Dias é, nesse sentido, mais um lembrete vindo de Taiwan de que o cinema nunca esteve predestinado a ser simplesmente narrativo. Mas o diretor também se abre, como no final de Vive l’Amour, ao que há de extraordinário no cotidiano ordinário: o encontro que deixa marcas indeléveis.
Os dois protagonistas são filmados por cerca de 30 minutos num quarto de hotel. Essa longa sequência com poucos cortes é composta por três cenas: a massagem do rapaz no homem mais velho, encerrada com o primeiro masturbando o segundo; o banho; a despedida, quando Kang paga Anong e lhe presenteia com uma caixinha de música que toca o tema de Luzes da Ribalta (1952), de Charles Chaplin. Tsai, portanto, se mantém rigorosamente aferrado à proposta estética de Dias, observando sem chamar atenção para o nascimento de um afeto, ainda se recusando a legendar as palavras trocadas entre os personagens.
Mas ele também sabe como, por meio da encenação mínima, revelar a dimensão do sentimento em jogo. A câmera estática acompanha Anong deixando o quarto, para logo ser seguido por Kang, visivelmente apaixonado, atordoado pela ausência repentina. O olhar de Tsai permanece no espaço vazio, como que esperando o retorno do homem mais velho, até que as luzes do lugar se apagam automaticamente. Não há volta depois que o amor se instala.
A caixinha de música é outro elemento de cena muito bem usado pelo diretor, já que sua presença estabelece o surgimento e a permanência de um vínculo. Na cena que encerra Dias, novamente a câmera não se move, permanece em Anong, parado na rua, ouvindo a melodia que remete a Kang, experimentando a saudade do que durou muito pouco. Essa é a brutalidade quase insuportável do filme, sintomática desse contato direto de Tsai com a aspereza da vida: a rotina, a espera e a saudade são longas demais; o encontro, que marca e perdura na memória, é em si efêmero.