Antes que Druk passe a acompanhar o seu drama central, o de quatro professores de meia idade que decidem manter um nível de embriaguez constante durante alguns dias, por meio de um experimento bizarro, o filme abre com um grupo de estudantes fora do horário de aula. Estes estudantes se embebedam, festejam dentro de um vagão de metrô, chamam a atenção dos seguranças e depois, no dia seguinte, da coordenação da escola. A diretora faz questão de frisar: “tudo bem eles se divertirem, mas eles passaram dos limites”. Depois desse momento somos apresentados aos professores e o contraste não poderia ficar mais claro, Druk vem para falar sobre a chegada da idade e as frustrações que ela traz. Entre o quarteto de professores, o personagem de Mads Mikkelsen, Martin, é especialmente frustrado, seja com a idade, com seus estudantes ou com o casamento. No cinema, e nas artes por extensão, esse descontentamento não é uma questão nova e Druk parece seguir um caminho rotineiro sobre ela, um caminho catártico em que o espectador se identifica com seus personagens e com suas frustrações e por um momento consegue sublimá-las.
Fazer um filme nesses moldes, em que as vivências dos personagens podem ser relacionáveis e catárticas, implicaria fazer um filme na maior parte do tempo em um tom naturalista, em que o peso dessas vivências seria sentido. É um território que já é familiar para Vinterberg e que por sua vez não faz muita questão de abandoná-lo, mantendo-se firme e seguro com uma câmera na mão e com um jogo de cena espontâneo (e que é praticamente o mesmo durante o filme todo). Vinterberg confia na versatilidade da sua abordagem, uma postura que poderíamos perguntar se não é um tanto cômoda, e com ela transita desde os momentos de loucura de seus personagens até os momentos mais sóbrios. Há uma alternância em Druk cujos limites são difíceis de definir, uma alternância entre os momentos em que o olhar do artista entra e faz parte da experiência de seus personagens e os momentos em que ele lança um olhar externo sobre eles.
Porém um momento isolado, consegue definir algumas coisas sobre o olhar de Vinterberg. Nesse estilo de identificação e catarse, entre uma purgação e outra também surgem comentários de ordem moral (não necessariamente definitivos nas suas observações). Quando Nikolaj, o mais ousado do grupo, sugere o experimento, ele o justifica com uma teoria de que o homem nasce com uma deficiência natural de álcool. Para ser funcional, o homem teria de manter o nível de álcool no organismo em uma constante. Depois do primeiro dia de experimento, Vinterberg insere trechos de vários representantes políticos, chefes de Estado como Boris Yeltsin, Bill Clinton e Angela Merkel ou bebendo ou cometendo gafes em comícios, reuniões de cúpula, em momentos públicos com várias câmeras registrando-os. É um momento breve que se destaca pelo seu caráter de exceção dentro da abordagem naturalista, mas que não se sobressai tanto do tom cômico e cínico que permeia a primeira parte do filme. Mas à parte desse aspecto, Druk passa nesse momento a embriaguez como um elemento que funda relações à sua maneira, como uma forma de fazer política. Em uma outra cena, Martin mostra para seus estudantes, durante uma de suas aulas mais inspiradas, como líderes honráveis e nobres (o exemplo que ele dá para esses homens é Franklin Roosevelt e Winston Churchill) eram também homens difíceis, com vários problemas em suas vidas pessoais e de quebra também eram consumidores assíduos de álcool. Seu contra exemplo é Hitler, a figura abjeta por excelência, um líder carismático, que não fumava e raramente bebia. O que se põe em questão nesses momentos é um estilo de vida que encarne nele o próprio espírito libertador da juventude, um estilo de vida fundamentalmente libertário que a bebedeira chega para realizar. Dentro do filme esses momentos podem até ser contingentes, eles são ofuscados pelo drama intimista e de ansiedades ultra pessoais dos personagens, mas também fornecem alguns esclarecimentos.
Além do desejo de recuperar o espírito juvenil, parte da motivação do experimento é calcada em uma funcionalidade, em melhorar o desempenho dentro da ordem do cotidiano. Depois de começar o experimento, Martin finalmente consegue engajar seus estudantes, consegue se aproximar da esposa, consegue a energia e o ânimo que lhe pareciam negados com a idade. Martin e os seus colegas de trabalho buscam uma normalidade intoxicante por assim dizer, algo que consiga capturar algo da transgressão dos jovens quase-vândalos no início do filme, mas dentro dos limites funcionais do cotidiano. O espaço da escola, especialmente com a figura da diretora, chega a definir esses regramentos para os professores quase que da mesma maneira para com os estudantes. Druk não chega a dar um veredito moral aos seus personagens, Vinterberg deixa seus personagens em uma corda bamba segurando seus lados conflitantes, mas também cede um alívio para seus fracassos e frustrações no final das contas.
Porém, à parte de alguns momentos de exceção, como o clipe das gafes dos chefes de Estado, Druk mantém o jogo formal, e por consequência o jogo das sensações e das impressões sensíveis do filme, em uma posição confortável demais. A câmera na mão serve tanto para cair na dança e no bom humor de seus personagens quanto para olhá-los de fora com uma tônica áspera, sem muitas variações além disso. É até possível que momentos como o clipe, junto com alguns letreiros que informam o teor de álcool de Martin, apareçam justamente com o objetivo de quebrar com a dinâmica naturalista meio sóbria e meio embriagada que atravessa o filme. É algo que carrega um pouco do que é emblemático no drama do filme, manter um estilo constante, com um ou outro momento saindo pela tangente, com alguma energia. Com a constância e o hábito vêm também suas limitações, o que não é diferente do esquema formal de Vinterberg. Se há alguma coisa que os jovens tiraram proveito daquele início de quebra de regras e de violações da ordem, é que o que é catártico vem com o que é exceção, com o que foge da norma, coisa que até a agora famosa cena da dança de passos incertos de Martin, pode atestar em alguma medida.
É ao apostar nesse equilíbrio incerto, entre o que seria ou não virtuoso e o que importa ou não para esses personagens nos quais buscamos identificação, que Vinterberg deixa tudo em suspenso. É talvez uma questão de humildade, não indicar a forma certa de viver e, ao invés disso, tentar buscar algo que sidere as ansiedades que surgem ao longo do caminho. Mas é também ao buscar um olhar que se adeque a tudo, sem pender para uma sobriedade precisa ou reveladora e nem para uma insanidade feérica, que a embriaguez de Druk não resulta em uma dança, mas em alguns passos não muito firmes.