Sempre vi como o maior problema do cinema de Denis Villeneuve a dificuldade de construir o drama humano antes de partir para o grande espetáculo. É algo que sinto falta, por exemplo, em A Chegada. No filme, toda a trajetória da personagem de Amy Adams existe apenas como dispositivo que possibilita o clímax, e não como uma história sobre uma mãe enlutada em uma trama de ficção científica. O problema é que, no fim, Villeneuve volta para cobrar o peso da parte humana da jornada, e não há nada construído ali. Mas nem sempre isso é um problema. Quando o cineasta canadense lida com filmes que, já na proposta, minimizam o que é mais humano para falar de grandes temas, como é o caso de Blade Runner 2049, ele se sai bem. Faz sentido, no contexto de 2049, o longa renegar o aprofundamento de seu protagonista quando todo o desencadeamento de acontecimentos da trama converge para expor a pequenez de K diante do mundo.
O primeiro Duna, ao meu ver, fica no meio termo e por isso é um grande desastre. É um filme com uma pretensa grandiosidade, mas que também precisa, pela extensão da história, apresentar personagens, conflitos e mundos, e falha porque em seu clímax, cobra uma resposta ao drama humano da trama, quando este foi subjugado por toda a projeção. Já com Duna: Parte 2, Villeneuve parece bem mais à vontade para trabalhar o espetáculo. O canadense é um dos diretores que mais preza pela grandiosidade de suas imagens – e não digo em tom de julgamento quanto à qualidade, apenas como constatação de sua ambição de fazer obras imponentes. É natural, com o material que tem em mãos, que o cineasta consiga então usar seus personagens como símbolos de uma tragédia clássica para possibilitar esse espetáculo. E isso traz bônus e ônus.
Quando trabalha o lado humano de Paul Artreides – sua relação com sua mãe, sua recusa ao chamado para o messianismo, sua paixão por Chani –, Villeneuve mais erra do que acerta. Acerta quando aceita uma certa cafonice, tão incomum no cinema de espetáculo de hoje. Mas derrapa quando aposta muito mais nessa cafonice pela trilha do que pelas atuações – Timothée Chalamet só se encontra no meio do filme, quando assume o lado canastrão de seu personagem, enquanto Zendaya opera no mesmo tom resignado do primeiro ao último minuto. Quando trabalha seus personagens apenas como peças no grande esquema é que Villeneuve mais acerta. Duna: Parte 2 consegue projetar no deserto sem fim um espaço de batalhas a serem travadas e profecias a serem cumpridas, e os indivíduos são um detalhe que existe aqui e ali. É um universo muito coeso e cheio de minúcias, que só carece de um pouquinho de humanidade, mas que sabe lidar bem com essa ausência.
Por mais que o drama humano tenha se perdido em algum momento ali entre o coliseu extraterrestre ou o grande acordão com o imperador de Christopher Walken, Duna 2 funciona porque, a essa altura, toda a humanidade de Duna já foi subtraída, de forma que só reste espaço para o espetáculo intergaláctico. Em certo momento do filme, a recusa ao drama dos personagens é tão grande que Villeneuve finalmente consegue trabalhar Paul, Chani, Jessica e cia apenas como dispositivos. que possibilitam retratar os conflitos e grandes temas. Em certo momento, Artreides e cia se tornam nada menos do que peças de um jogo de luzes e imagens. Se o problema de Duna 2 é que, ao aproximar demais a câmera, seu diretor não consegue construir nem encontrar vestígios de sentimentos humanos genuínos, a solução é uma cisão: afaste o quanto for necessário e redirecione as lentes para as explosões.
Essa conclusão funciona porque se difere de quase tudo que vinha sendo feito no cinema de Denis Villeneuve. Tanto A Chegada quanto Os Suspeitos e O Homem Duplicado são filmes que dependem do drama humano em seus encerramentos. Mas em Duna: Parte 2, esse drama, esvaziado durante a própria narrativa, se torna apenas um veículo para que a grande tragédia seja levada adiante. É como se o diretor desistisse de conciliar as duas facetas do filme e apenas usasse o micro (os amores, as dores, os dilemas familiares) como uma ferramenta narrativa para possibilitar e potencializar o macro (a guerra ideológica, religiosa e filosófica).