Ciente de que o autismo ainda é pouco debatido na sociedade, “Em Um Mundo Interior” busca por uma luz na discussão. A obra é, antes de tudo, um exercício de empatia, no qual acompanhamos diversos casos paralelamente a fim de sabermos um pouco mais sobre a vida das pessoas retratadas. O documentário surgiu do mergulho dos diretores, Mariana Pamplona e Flavio Frederico, na rotina de sete famílias de diferentes regiões do Brasil, que estão conectadas por um diagnóstico em comum.
A empatia é, de fato, um elemento bem construído pelo filme. Além do apreço natural que desenvolvemos pelas pessoas retratadas – as famílias parecem ter sido escolhidas a dedo, vide que todas demonstram uma união e carinho muito sinceros -, a dupla que dirige também faz uso da linguagem cinematográfica de forma agradável na maior parte da projeção.
Há, muitas vezes, uma câmera guiada à mão registrando a rotina dessas famílias, o que imprime um ar de improviso, nos inserindo na cena de forma mais natural. Ainda mais interessante são os registros caseiros feitos pelos próprios pais, que vão surgindo ao longo da metragem e são intercalados com depoimentos e registros dos próprios cineastas. Com essas imagens, “Em Um Mundo Interior” nos permite ter um olhar mais íntimo dessas famílias – afinal, são imagens feitas pelos pais, mães e irmãos das pessoas diagnosticadas com autismo, o que nos permite ver suas vidas por seus próprios olhos.
É elogiável o fato de o filme, mesmo tocando em um tema tão sensível, nunca forçar a comoção de seu espectador. A trilha sonora, por exemplo, que poderia facilmente ser usada como um recurso apelativo para emocionar com acordes mais chamativos, se resume a músicas de poucas notas, discretas e raras. Em “Em Um Mundo Interior”, o silêncio tem mais espaço, o que nos permite focar mais no comportamento e nas reações das pessoas documentadas.
Há de se comentar, porém, que a escolha por acompanhar sete famílias parece pesar na narrativa. Pelo excesso de depoimentos e pessoas, há pouco aprofundamento naquelas relações. Como resultado, a almejada imersão naquelas rotinas acaba sendo mais superficial do que era pretendido pela obra. A escolha de seguir tantos rumos também impede que o espectador aprofunde seus laços emocionais por muito tempo, já que assim que começamos a entender melhor a situação de uma família, logo a obra salta para outro caso, causando uma quebra no investimento emocional do público.
Outro elemento que não funciona tão bem é os depoimentos de profissionais da saúde, que surgem de maneira abrupta e não permeiam toda a narrativa. O documentário, ao focar demais na rotina daquelas pessoas, acaba também menosprezando uma interessante discussão sobre o papel do Estado na situação, algo que se faz necessário principalmente quando o filme mostra autistas que vivem em condições não muito boas para sua saúde mental, como por exemplo, um rapaz que ficou “enjaulado”.
Por mais que tenha suas dificuldades, “Em Um Mundo Interior” ainda consegue ser um documentário bem sucedido pela humanidade alcançada por suas imagens. A escolha de alternar depoimentos com imagens dos documentaristas e vídeos caseiros torna a experiência de imersão mais íntima. É, portanto, um exercício de empatia emocionalmente delicado e honesto, mesmo que, narrativamente, não alcance seu potencial máximo, tanto pelo escopo reduzido que os cineastas escolheram trabalhar, quanto pela falta de foco ocasionada pelo excesso de famílias documentadas.