Em “Filho de Saul” (2015), seu primeiro longa-metragem, László Nemes utilizou uma série de recursos de linguagem para potencializar a experiência do protagonista, prisioneiro de um campo de concentração e extermínio nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A câmera é mantida sempre próxima de Saul Ausländer (Reza Gohrig), frequentemente seguindo-o pelos diversos lugares de morte que constituiam Auschwitz; a profundidade de campo reduzida e a interdição do olhar para o todo são acompanhadas pela presença constante de sussurros e murmúrios cuja origem nunca é explicitada; a razão de aspecto 1.37:1 ressalta a sensação de claustro dos personagens, o próprio formato da imagem parece lhes privar de liberdade.
É curioso que Nemes opte por repetir quase todas essas escolhas em “Entardecer”. A exceção é a razão de aspecto, aqui bem maior. Trata-se de um filme sobre uma jovem mulher, Irisz (Juli Jakab), que retorna a Budapeste para desvendar mistérios do seu passado. A história tem início em 1910, o cenário é o Império Austro-Húngaro e o contexto é o quase imediato pré-Primeira Guerra Mundial. Por mais que o diretor tente criar uma atmosfera de horror, de incômodo decorrente da sensação de que há algo fora do lugar, simplesmente repetir os recursos do seu filme sobre o holocausto pode aparentar uma banalização da representação cinematográfica do extermínio dos judeus. Até porque “Filho de Saul” foi elogiado também pelas soluções visuais encontradas por Nemes, que o levaram a, por exemplo, quase nunca filmar as muitas mortes acontecendo.
Além disso, se a falta de clareza absoluta dos acontecimentos de “Filho de Saul” é compreensível, dada sua inserção numa realidade extrema e bastante conhecida pelo espectador de cinema – em razão do longo histórico representacional do holocausto –, a de “Entardecer” não se justifica. Por quase duas horas e meia Nemes segue Irisz por ruas e casas de Budapeste, em busca de personagens cujas motivações e relações são bastante obscuras. Aqui, além de contribuir para o desinteresse numa narrativa que se arrasta, a opção por lançar a protagonista no meio de eventos violentos sem explicação aparente soa como mero gimmick.
É claro que há motivos para Nemes seguir por esse caminho. Ao ambientar “Entardecer” no início da década de 1910, o diretor se aproxima de outros filmes que tratam esse contexto como hospedeiro de uma espécie de gene de todo o mal que despertaria a partir de 1914 – as guerras, o holocausto, as ditaduras impiedosas. Não à toa o clima opressivo, quase de horror, lembra o de “A Fita Branca” (2009), de Michael Haneke, que se passa num vilarejo alemão em 1913, e o de “A Infância de Um Líder” (2015), de Brady Corbet, sobre o imediato pós-Primeira Guerra. Nos três filmes, coisas estranhas acontecem, como que anunciando esse mal maior que estava por vir. Não há, portanto, nada de novo no olhar que Nemes lança para a época em questão.
Nesse sentido, “Entardecer” até poderia ter ressaltada a vinculação com “Filho de Saul”, na medida em que fala, de certa forma, da origem das atrocidades perpetradas nos campos nazistas. A organização terrorista comandada pelo irmão de Irisz, com suas práticas violentas, representaria uma espécie de protofascismo? Talvez, mas o diretor nunca permite um contato mínimo com as ideias que seus militantes defendem. Aparenta ser, no final, apenas uma representação genérica da enorme brutalidade política que caracterizaria essa primeira metade do século XX na Europa. Portanto, ao reduzir as possibilidades de entendimento pleno do filme, Nemes acaba enfraquecendo sua potencial força política e de reflexão histórica.