Saber a história a ser contada é o primeiro passo na composição de um argumento que, futuramente, virará um roteiro. São as famosas wh- questions do Jornalismo: “o quê?”, “quem?”, “quando?”, “onde?”, “como?” e “por quê?”. “Escobar: A Traição”, adaptação do diretor espanhol Fernando León de Aranoa para o livro “Amando Pablo, Odiando Escobar”, da colombiana Virginia Vallejo, jornalista e ex-affair do famoso narcotraficante, não responde a essas perguntas de forma satisfatória. A proposta do filme é se focar em Vallejo, mas a tentação de contar – mais uma vez – a jornada de Escobar diminui o protagonismo da personagem vivida por Penélope Cruz. A isso se alia uma sequência de decisões equivocadas, que acabam tornando uma história inicialmente curiosa e instigante num grande déjà vu de duas horas.
O maior contratempo ao contar a história de Pablo Escobar é o fato dela ter sido recentemente contada em “Narcos” – leia nossas críticas da série da Netflix clicando aqui – com grande êxito e de forma muito mais aprofundada. Esse tipo de escolha cobra seu preço: momentos como a ascensão e queda de Escobar na vida política, que ocupa episódios da série de José Padilha, se resolvem a poucos minutos no filme. Se isso pode ser o bastante para quem não viu a série, certamente será pouco para quem a viu. E é natural supor que o “Escobar: A Traição” não existiria sem “Narcos”.
Numa decisão artística questionável, quase a totalidade dos diálogos de “Escobar: a Traição” se dá em Inglês. Pode-se argumentar a relevância do mercado norte-americano, mas isso esta é outra escolha que cobra um preço. É notável, principalmente em Javier Bardem, uma “virada na chavinha”: em Espanhol, tom de voz, dicção, tiques e até linguagem corporal estão muito próximos aos do verdadeiro Escobar; em Inglês, principalmente em longas frases, ele é apenas Javier Bardem com um corte de cabelo de gosto duvidoso e uma barriga prostética.
A narração de Virginia (outro recurso usado em nove de dez filmes do gênero) busca construir personas diferentes para o homem Pablo e a lenda Escobar, exatamente o que é sintetizado no título de seu livro. Mas as cenas presentes no corte final do filme não criam esse contraste. Pablo é, quando muito, um “malandro” expansivo. Quase tão bruto quanto Escobar, o monstro capaz de mandar esquartejar velhos amigos com uma motosserra por se sentir “desvalorizado”. A principal razão de existir da história não se sustenta: não há um olhar pessoal, emocional – e, consequentemente, contraditório – sobre Pablo Escobar, mas um semi-documentário novelesco com um elenco estrelado.
Entre uma trama bastante conhecida e quase nenhuma inventividade narrativa – faz-se a ressalva honrosa à longa tomada sem cortes de um enfrentamento dos sicários de Escobar com a polícia colombiana -, “Escobar: A Traição” perde grande oportunidade para expandir a mitologia de El Patrón na ficção, lhe dar mais uma camada de complexidade. O filme de Aranoa poderia ser sobre um traficante genérico e daria na mesma.