Obras que satirizam um elemento ou situação de seu contexto cultural costumam faze-lo por meio de distopias. Recentemente, a série Black Mirror tornou-se uma exposição de críticas do tipo, explorando realidades distópicas a fim de, por meio de símbolos tecnológicos, expor ao seu público defeitos político-sociais da sociedade do século XXI. A distorção da nossa realidade mostra-se, na maioria dos casos, essencial para que possamos analisar o conteúdo de forma paralela, e não diretamente. Esta é a Sua Morte não compreende a necessidade de tal paralelismo e, por isso, constrói uma narrativa sem controle de tom, sem impacto e sem profundidade.
No filme, uma emissora descobre uma brecha na lei que a permite exibir suicídios em tempo real, criando então um programa semanal chamado This Is Your Death, no qual candidatos tirarão a própria vida na frente das câmeras em troca de ajuda financeira para seus familiares. A história, então, centra-se na figura de Adam Rogers, o apresentador de tal programa, e mostra como ele lida com as consequências de seu emprego em sua vida pessoal.
Mesmo com todas as óbvias críticas ao sensacionalismo da televisão americana e à alienação da sociedade, Esta é a Sua Morte acaba funcionando quando fala sobre a banalização da morte. O tema, que já foi muito bem tratado recentemente no brilhante O Abutre, ganha força principalmente pela forma pasteurizada como todos os suicídios são retratados. O problema, infelizmente, reside no roteiro, que acredita que levantar os temas são o suficiente para que a obra ganhe alguma profundidade, fazendo com que boa parte do longa seja apenas uma mostra de mortes violentas e sem sentido.
Nem só por ter a profundidade de uma piscina de plástico o roteiro falha. Por não abraçar a sátira e calcar sua narrativa no realismo, a obra torna-se patética ao apresentar conceitos bizarros, como o apoio psicológico oferecido aos participantes do programa antes deles cometerem suicídio, que deveria acontecer justamente para evitar as mortes. Também não ajuda a inexistência de conflitos no protagonista, Adam Rogers, que demonstra incômodo com o projeto de uma série com suicídios reais por um impressionante período de… Dez minutos. Até que embarca na ideia e, com justificativas absurdas (o apresentador planeja mudar o mundo exibindo suicídios [?]) e torna-se o maior engajado no sádico projeto do canal.
Na construção dos personagens, o longa utiliza a figura de Mason Washington (o próprio Giancarlo Esposito) para desenvolver as motivações dos suicídios, mostrando como pessoas falidas e desesperadas por prover algum auxílio financeiro para seus familiares podem entrar em processo de deterioração mental. Apesar de funcionar para criar empatia, o arco de Mason nunca surpreende, pois o público nunca tem dúvida de que ele, um esforçado e fracassado trabalhador, vai acabar se inscrevendo no doentio programa. Por outro lado, a atuação de Esposito demonstra o enorme esforço do ator para imprimir emoção – e sucede não só por sua atuação, mas pelo inteligente uso de close ups em seu rosto nos momentos em que o personagem está mais frágil -, já que, aparentemente, Mason é o único “humano normal” da obra.
Trazendo um punhado de ideias interessantes, Esta é a sua Morte não consegue fazer nenhum tema ser desenvolvido suficientemente para suscitar os debates idealizados pelo roteiro. Se busca criticar a alienação do público, o longa fracassa por expor superficialmente a desafeição humana diante da angústia alheia. se busca cutucar a indústria o entretenimento, também o faz de maneira rasa e maniqueísta, já que apela para extremos bem distantes da nossa realidade sem que, para isso, entre em uma seara temática mais satírica e surrealista; se busca gerar debates acerca da banalização da morte, falha por justamente banalizar as mortes exibidas, mostrando cenas chocantes sem nenhum questionamento atrelado a elas.
Ainda assim, há momentos interessantes, principalmente quando a obra brinca com a forma como o público é inserido na trama, utilizando a alternância de cortes da gravação do programa para fazer seu apresentador, Adam, comunicar-se diretamente com o público, quando entre uma mudança de câmera e outra, Rogers se dirija diretamente ao espectador, quebrando a quarta parede. Nem boas ideias como essa, porém, ganham sustentação no script ou desenvolvimento dramático suficiente para que as críticas sejam estabelecidas ou melhor explicitadas ao longo da trama.
Assim como o discurso de Rogers, que diz que preza pela vida e pretende utilizar o programa para conscientizar as pessoas – quando na verdade mostra-se um ser humano desprezível e egoísta -, Esta é a Sua Morte também se disfarça como obra crítica, cheia de boas intenções sociais, mas que parece mais interessada em impactar o público pela violência das mortes retratadas. De boas intenções, o inferno está cheio.