A onda de coaches, “empreendedores” e demais charlatões que sonham com a riqueza (às custas do seu dinheiro) é um dos grandes males do neoliberalismo e um dos mais bizarros efeitos do capitalismo no comportamento humano. Filmes que abordam essa temática, porém, não são tão comuns no cinema brasileiro. É justamente esse mundo esquisito que Leon Sampaio e Marcus Curvelo retratam em Eu. Empresa. E digo retratam, e não estudam, porque de fato a intenção da dupla parece muito mais criar um tom trágico de constatação acerca da questão do que estudar as raízes dela – o que não é, de forma alguma, um demérito, claro.
Joder é um rapaz com problemas financeiros que vê na internet o caminho para o sucesso. Como diria qualquer charlatão do Instagram, ele está cansado de “ser CLT” e quer fazer “dinheiro de verdade”. Decide, então, transformar seu próprio fracasso em um personagem de YouTube. Eu. Empresa acompanha essa curta jornada de Joder enquanto mostra como o “empreendedorismovírus” apodreceu sua mente. É um caminho de transformação, a humanidade do personagem se torna produto à medida que ele se consolida no mundo dos influencers. Sai a figura real, entra a persona digital.
Sampaio e Curvelo são perspicazes por entenderem o mundo neoliberal como um lugar no qual o próprio ser humano é a moeda. Os palestrantes dependem de seus clientes que também querem ser empreendedores, da mesma forma que estes dependem de seus seguidores. A mercadoria é o próprio indivíduo, que não percebe que, nesse mundo de ilusões e fraudes, o único jeito de ascender é se tornando um produto – o que é justamente o que Joder faz e por isso termina o filme como uma figura bem sucedida.
A ironia está no fato de que se tornar um produto implica em precisar “funcionar” para seu consumidor. Eu. Empresa aponta como no neoliberalismo o caminho para a riqueza no mundo dos influencers, coaches e demais trapaceiros é o fim de tudo que te define como uma pessoa normal. É abrir mão da própria humanidade e se comportar como um produto ou se tornar um serviço. Tornar até seus traços mais humanos um adereço de plástico que serve apenas para que você se diferencie dos outros consumíveis em uma prateleira – ou na página inicial do YouTube.
Sob esse recorte, é curioso perceber que o filme se constrói tanto por cenas de Joder perseguindo seu sonho quanto por segmentos registrados em primeira pessoa pelo próprio protagonista. Sampaio e Curvelo fazem com que o próprio filme seja parte do produto de personagem. Assim, Eu. Empresa revela um mundo em que nada existe se não for rentável; nada é útil se não for lucrativo. Não é um estudo da relação do indivíduo com o capital, mas uma trágica e bem humorada constatação de que o indivíduo já se tornou, há muito, o próprio capital.