Eduardo Coutinho é muito lembrado e homenageado como um grande entrevistador, sendo inclusive objeto de documentários focados exatamente nessa dimensão específica do seu cinema: o método de entrevista. De fato ele era dono de uma sensibilidade muito acurada para abordar, instigar e sobretudo ouvir as personagens de seus filmes, mas Coutinho era também, e talvez principalmente, um investigador inquieto das possibilidades e limites estéticos do documentário. Essa é uma característica às vezes esquecida por cineastas brasileiros mais jovens que, apesar de tomarem o icônico diretor como referência, investem pouco no rigor formal.
O curta-metragem Eu Fui Assistente do Eduardo Coutinho, de Allan Ribeiro, felizmente escapa dessa tendência e estabelece um diálogo reverencial coerente com o cinema de Coutinho. Se o título evoca um relato mais convencional de uma experiência profissional, a realidade do filme vai muito além disso. A história de Allan com o mestre documentarista é bem mais atravessada pela ficção do que marcada por um mero aprendizado prático do ofício: ele na verdade interpretou um assistente de direção de Coutinho numa cena cortada de um curta seu, Depois das Nove (2008) – logo, também dirigiu o cineasta, isso anos depois de, em outro curta, Boca a Boca (2003), referenciá-lo na fala de um personagem.
Nesse sentido, Eu Fui Assistente do Eduardo Coutinho tateia as fronteiras entre real e ficcional, verdadeiro e honesto, sem exibicionismos, de um jeito franco, discreto e bem-humorado. Coutinho ficaria orgulhoso. Mas, acima de tudo, ao retomar o material filmado em 2008 e trazer o diretor de Cabra Marcado para Morrer (1984) e Edifício Master (2002), entre tantos outros, de volta à vida em imagens inéditas, Allan constrói uma bonita reflexão sobre como tudo que é deixado de fora de um filme também compõe a história e a memória do cinema. Os filmes como essa máquina de produzir vestígios da vida e deixá-los no mundo.
Ainda que a decisão do corte seja difícil e possa gerar arrependimentos, principalmente quando se trata de cenas de profissionais que já morreram e deixaram saudade (Coutinho, claro, mas também o ator Pietro Mário, presente em outra cena de Depois da Nove excluída por Allan da versão final do curta), esses registros continuam existindo como matéria-prima em potencial para novas obras a serem feitas. E, nesse sentido, no cinema os mortos não morrem totalmente, seguem como fantasmas imagéticos disponíveis para serem invocados.