Plano Aberto

Excitação (1977)

O que destaca Excitação das várias pornochanchadas que dominavam os cinemas brasileiros nos anos 70, que é o interesse em explorar a fundo um certo fetiche audiovisual mesmo recorrendo a uma estética softcore. Apesar de estar recheado de nudez, quase sempre o diretor Jean Garrett opta por recorrer mais a um dado voyeurismo distante do que uma tentativa de emular o prazer. Seja no casamento decadente de Helena (Kate Hansen) e Renato (Flávio Galvão), ou nas escapadas do marido com a vizinha Arlete (Betty Saddy) e sua prima Lu (Zilda Mayo), falta esse tesão, mas sobra em atmosfera. Tanto em momentos de intimidade quanto nas cenas de terror, Garrett consegue extrair uma boa dose de suspense através de cortes diretos e zooms escancarados.

Outro fator que ajuda bastante é o senso de isolamento da trama, existem basicamente esses quatro personagens que se relacionam muito diretamente: um marido, sua mulher e duas amantes que são parentes. Isolada no litoral após um surto psiquiátrico, Helena passa os dias distante de Renato, um engenheiro de computadores na cidade de São Paulo particularmente fascinado com a eficiência das novas tecnologias. Durante a madrugada, ela é rotineiramente atacada pelos eletrodomésticos da casa, mas devido a sua condição psicológica o marido trata com descaso seus relatos, parecendo mais preocupado em se envolver com as primas vizinhas, que também são ex-proprietárias da casa onde Helena está. É a partir desse quarteto principal que começam a surgir explicações para os estranhos eventos, tal como a praia particular, o pescador, os ataques sofridos por Helena e a relação de Renato com as três mulheres simultaneamente.

Infelizmente, apesar de toda imaginação do diretor para os momentos tensos, falta certa gordura na hora de construir os protagonistas. Talvez seja normal para o gênero essa unidimensionalidade, mas a falta de carisma de algumas atuações deixa tudo muito vazio em alguns momentos, atrasando um filme já curto. A atuação robótica de Galvão, ainda que proposital talvez, nunca convence no papel de garanhão que precisa incorporar durante a primeira hora do filme. Não é até o final que descobrimos certos detalhes, como a natureza do romance de Renato e Arlete e a relação que eles têm com a casa, então mesmo com a justificativa de não revelar o mistério antes da hora, em alguns momentos as ações dos personagens parecem injustificáveis. O principal ponto fraco é a presença de Lu, estereotipada com a prima mais nova promíscua e cabeça-vazia, que apesar de alguns momentos divertidos (fica a menção especial ao passeio de barco) só se justifica dentro do filme como um corpo e uma boca a mais para preencher um espaço narrativo, além de obviamente receber a sina do seu arquétipo e morrer.

Ainda assim, conforme as cenas vão se justificando e organizando, ainda que com uma resolução previsível, a parte final se encaixa com a natureza dos personagens ao deslanchar uma dose certeira de sobrenaturalismo que se esbeirava já desde a primeira cena. E é sempre interessante tentar encaixar o roteiro claramente hitchcockiano (a mulher loira vítima, as justificativas para o sobrenatural, as reviravoltas, a recorrência da dualidade) nas mãos de um cineasta que vai no caminho oposto a sofisticação do mestre britânico. Apesar de irregular, Excitação diverte, e muito, dentro suas limitações e é um experimento que combina o melhor da brasilidade com uma dinâmica Nova Hollywood já decadente. Uma pena que o mercado de terrorchanchadas nunca tenha disparado.


Esse e outros filmes estão disponíveis na Mostra de Ficção Científica Brasileira Antropokaos, completamente online e gratuita entre 6 e 28 de março.
Sair da versão mobile