Festival Ecrã – Fluxorama; Buraco Negro

Festival Ecrã – Fluxorama; Buraco Negro

Matheus Fiore - 20 de julho de 2018

“Fluxorama”, de Wilson Oliveira Filho e José Guindane – ★★★★

A popularização das ferramentas de downloads, como o Torrent, certamente influenciou uma geração de cinéfilos que passou a armazenar uma quantidade absurda de filmes em seus computadores. O curta de Wilson Oliveira Filho e José Guindane trata justamente desse fenômeno. Mas, diferente do que podemos pensar ao ler uma sinopse ou resumo, Fluxorama na verdade é bastante crítico quanto ao hábito de guardar obras no computador.

O filme tenta, de certa forma, fazer o resgate do hábito de consumir um filme de cada vez, de criar um relacionamento direto e exclusivo com a obra, desde o ato de escolher assisti-la para, enfim, assisti-la. Em uma época em que as pessoas costumam baixar filmografias inteiras – e deixá-las armazenadas sem nunca assistir aos filmes –, Fluxorama traz um olhar bastante crítico.

O principal aspecto é a representação do cinema pela água, algo que o próprio curta deixa claro ao dizer “cinema é cachoeira”. Para representar o download de vários filmes, Fluxorama utiliza uma tela dividida com várias cascatas, encaixadas lado a lado. A visão crítica dos diretores fica nítida quando observamos como cada imagem das cachoeiras é tratada: todas dividem um espaço estreito, mal podendo ser vistas, e seus sons surgem simultaneamente.

O intuito de Wilson e José é mostrar como essa cultura de downloads e armazenamentos em massa cria pessoas mais preocupadas não em compreender ou apreciar obras, mas colecionar filmes como se fossem selos ou figurinhas. É interessante notar, também, como o excesso de cascatas faz parecer que o filme está “travando”, levando ao caos e ao esfacelamento deliberado da forma do curta.

Apesar de, no debate ocorrido após a projeção, um dos diretores ter afirmado que seu objetivo não é um retorno à mídia física, mas uma valorização do streaming – já que este proporciona uma conexão direta entre o espectador e a obra à qual assiste –, Fluxorama não trata do streaming. A ausência desse posicionamento abre espaço para uma visão de resgate de uma experiência mais clássica para o consumo dos filmes – algo manifestado pela projeção da imagem de Jean-Luc Godard.

Fluxorama mostra-se um experimento interessante por, mesmo tendo uma metragem de apenas sete minutos, conseguir levantar questionamentos pertinentes sobre a relação do público com os filmes aos quais assiste. É uma peça capaz de instigar nossa reflexão por conseguir expor, por meio do caos que domina os minutos finais, nossa incapacidade de apreciar a arte quando estamos ocupados demais dando valor a números em uma biblioteca virtual.

“Buraco Negro”, de Helena Lessa & Petrus de Bairros – ★★★★

O interessante no cinema experimental é a possibilidade de ter um total desapego a uma narrativa convencional. Filmes experimentais podem ser, simplesmente, experimentos estéticas de seus realizadores, sem a busca de uma lógica por trás da construção da forma. Buraco Negro, filme de Helena Lessa e Petrus de Bairros, é um belo exemplar disso.

O filme acompanha uma mulher que, após dormir em uma casa abandonada, passa a ter poderes sobrenaturais e se relacionar com um espírito. Há uma reconstrução estética interessantíssima em Buraco Negro, que faz o filme incorporar elementos de clássicos dos anos 20, como o Nosferatu de Murnau.

Desde a fotografia em preto e branco até o uso de textos projetados para as falas, Buraco Negro está sempre em busca de fazer, na era do cinema digital, uma narrativa que, ora repete conceitos dos primórdios do cinema – como o conflito entre luz e sombra como elemento definidor de sua estética –, ora emula elementos do tipo – o filme faz uso, em alguns momentos, de filtros roxo e rosa, muito similares aos trabalhos de tingimento e coloração vistos na era do cinema em preto e branco.

Dessa forma, é interessante vermos como, diante de uma estética que faz um resgate tão nostálgico, há tantos elementos modernos dentro da narrativa. Assistir a um filme de terror que é atuado e filmado como se estivesse na Alemanha de 1920, mas acompanha jovens skatistas tomando Coca Cola no Rio de Janeiro, é algo fascinante.

Buraco Negro é, portanto um surpreendente e evocativo exercício de forma e estilo, que manifesta o desejo de seus realizadores de estudar e aprender por meio da experimentação. Um terror sem grandes pretensões além do anseio por criar uma atmosfera densa e um grande choque existente no fato de ter uma história “2018” sendo contada em uma narrativa “1920”.


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