Em mais de um momento de Foram os Sussurros que me Mataram, diferentes personagens defendem que a nova prática vanguardista está na cultura de massa. Por caminhos diversos, o filme de Arthur Tuoto, seu primeiro estritamente ficcional, busca comprovar essa hipótese. Primeiramente, claro, ao dialogar de forma direta, ainda que crítica, com o universo dos realities shows. O diretor não chega a se apropriar de elementos estilísticos desse tipo de entretenimento de altíssima popularidade, tão pouco explorado pelo cinema brasileiro enquanto tema e linguagem, mas estão presentes referências facilmente reconhecíveis para quem acompanha Big Brother Brasil e congêneres.
Mas é principalmente na utilização de um artificialismo nas interpretações que o filme lida diretamente com a dialética entre vanguarda e cultura de massa. As falas dos personagens de Foram os Sussurros que me Mataram são fortemente marcadas pelo antinaturalismo, uma entonação que remete à encenação escancarada. Aparece aqui uma certa faceta do folhetinesco, enraizado na cultura audiovisual brasileira mas em desuso nas últimas décadas, ainda que esvaziada de exageros dramáticos próprio das telenovelas. Os atores falam de forma empostada, mas distanciada, mecânica. Convivem, portanto, nessa característica estilística central do filme, o estranhamento com uma forma de encenação pouco usual no presente e o vestígio de uma tradição popular anacrônica.
Outra tensão existente em Foram os Sussurros que me Mataram é entre controle e caos. Tuoto realiza um filme sobre controle que é em si muito controlado, calculado nos pequenos detalhes. A protagonista, Ingrid (Mel Lisboa), está num confinamento pré-entrada num reality show, o que exige a vigilância de cada passo seu pela produção do programa – e por ela própria, sempre preocupada com possíveis danos a sua imagem pública. Enquanto isso, nas ruas, irrompe o caos de uma revolta anarquista. Essa situação gera uma analogia interessante com a lógica da participação nesses programas, sobretudo de pessoas já famosas (como é Ingrid na diegese) em tempos recentes: a aparência da exposição total mediada pelo cálculo minucioso de cada gesto, resultado do temor do “cancelamento”.
No entanto, Tuoto não consegue encaminhar essa tensão específica no sentido de tornar crível a possibilidade do caos. Sua obsessão pelo domínio absoluto dos elementos do filme faz com que o momento da derrocada do status quo seja na verdade só mais uma volta no parafuso, mais um ato do simulacro contemporâneo. Nada de fato muda. Não só na história, mas também na lógica visual de Foram os Sussurros que me Mataram: mesmo que na última cena a protagonista apareça num novo cenário, ele apenas reitera a organização espacial controlada anterior. A mise-en-scène estaciona. Essa decisão de não levar o filme para outros lugares quando a possibilidade para isso se abre demonstra um cinismo confortável, infelizmente bastante comum no cinema atual.