Boa parte dos grandes filmes de guerra não focam nos combates em si, mas sim no que os conflitos causam na humanidade. Peguemos como exemplo o clássico Ladrões de Bicicletas, de Vittorio De Sica, onde o cineasta italiano utiliza o cenário pós-segunda guerra para fazer um retrato da situação de miséria do povo romano. No cinema de Tarkovsky também vimos tal abordagem, quando no atemporal A Infância de Ivan, vemos os horrores da guerra nos olhos de uma criança. E para pegar um exemplo mais recente, como não lembrar do ótimo O Filho de Saúl, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro? Obra que mostrava como a guerra compromete a sanidade de suas vítimas.
Nesse novo filme do cultuado François Ozon, vemos uma abordagem parecida. Ao mesmo tempo que se passa logo após a primeira grande guerra, a obra não retrata os conflitos nem em seus momentos de flashback. Sua narrativa constrói uma trama sobre luto, dor e aceitação. Acompanhamos a história de Anna, uma jovem alemã que, após perder Frantz, seu marido, durante a primeira guerra, visita seu túmulo religiosamente para prestar suas homenagens com flores. Certo dia, percebe a presença de um jovem francês, Adrien, que também presta homenagens à Frantz. A moça, então, acaba se aproximando de Adrien e começa ali uma amizade cheia de mistérios.
Ozon apresenta aqui sacadas interessantes (mesmo que pouco originais). Para retratar o luto que permeia a vida de Anna e dos pais do falecido Frantz, o filme faz uso de uma fotografia em preto e branco que só está presente nas regiões e momentos tristes da película. Notamos, por exemplo, no plano que abre o filme, que as plantas nos cantos do quadro possuem sua coloração normal, e apenas a pequena cidade Quedlimburgo aparece descolorada no fundo. A região abriga justamente os familiares e a viúva de Frantz. Mas a ausência de cor não acompanha o filme em sua totalidade. Há algumas passagens onde, ao ter um pequeno vislumbre de felicidade, os personagens voltam a ser fotografados em cores, o que retrata os pequenos momentos de felicidade.
O roteiro e a direção acertam ao criar rimas visuais interessantes. Se na primeira metade do filme acompanhamos o dia-a-dia dos alemães e vemos o ódio que estes nutriram pelos franceses por causa da guerra, na segunda metade, quando a trama pega o trem para Paris, vemos as mesmas situações do lado oposto, com os franceses tão fragilizados e amargurados quanto os vizinhos germânicos. Há, inclusive, um foco da direção em retratar ruas totalmente destruídas, que enaltece o fato das vítimas da guerra pensarem muito nas próprias feridas sem nunca pensar que a dor não é exclusiva de uma nação, mas de todo o mundo. Afinal, a guerra é o sinal máximo da decadência de nossa sociedade. Para construir a rima visual, Ozon faz uso de planos que trazem situações iguais e com enquadramentos espelhados. Enquanto na Alemanha o francês olha para a esquerda e vê um grupo de alemães enaltecendo seu próprio país de forma chorosa, na França a personagem alemã se posiciona à direita e observa, à sua esquerda, um grupo francês cantando a marselhesa.
Infelizmente, a sutileza dá lugar ao cafona quando Ozon passa a utilizar a alternância de preto e branco/colorido de forma óbvia. Quando a personagem está feliz e a cena traz cores, ao vermos que seu sorriso começa a desbotar, a escolha mais óbvia possível seria a cor desaparecer, que é o que acontece. Se fossem ações do tipo ocorrendo pontualmente, seria compreensível, mas Ozon as repete mais do que o necessário, e além de jogar sua sutileza para o ralo, torna o filme brega. O arco de seus personagens também não é concluído de maneira satisfatória. A história de Adrien, por exemplo, tem um fim muito frio, sendo um verdadeiro anti-clímax. As fases do luto vividas pela promissora Paula Beer no papel principal também não são tão bem abordadas. Mas se o texto não aprofunda sua protagonista, a atriz é muito competente e perspicaz ao escolher um modelo de atuação mais contido, condizente com as atitudes de sua personagem, que interioriza suas dores e escolhe mentir e sofrer sozinha em nome do bem estar de seus sogros.
Frantz é um filme que traz uma boa dose poética em uma narrativa construída pela tristeza silenciosa, que transpassa seus personagens e os consome com melancolia. Ozon faz algumas escolhas óbvias na estética de seu filme, mas demonstra saber utiliza-las a favor da narrativa com sutileza em boa parte do filme. Há uma cena, por exemplo, em que uma personagem revisita uma montanha sob uma fotografia descolorida quando, anteriormente, ela visitou o mesmo lugar ainda em planos coloridos, o que sinaliza sua tristeza sem que haja necessidade de diálogos ou expressões físicas da atriz. Uma pena que o revezamento de cores seja usado em excesso e torne o filme uma caricatura de suas próprias ideias.