As barreiras da linguagem e as diferentes casualidades da vida geradas por más escolhas de palavras já geraram obras importantíssimas no cinema. Para pegar apenas exemplos recentes, temos o irretocável A Chegada, de Denis Villeneuve, que figurou em todas as listas decentes de melhores filmes de 2016, sendo uma ficção que trata de como as diferenças linguísticas nos separam como espécie. Fugindo do óbvio, também em 2016 tivemos o fantástico Certo Agora, Errado Antes, de Hong Sang-soo, que mostrava diferentes possibilidades de um mesmo encontro geradas por distintas conversas entre um casal de personagens. Em Futuro Perfeito, filme da cineasta alemã Nele Wohlatz, acompanhamos a vida de uma chinesa que recém chegou à Argentina e enfrenta dificuldades para aprender o idioma.
A fim de inserir o espectador no papel da protagonista, a diretora faz escolhas curiosas. Notamos, por exemplo, que no primeiro ato nenhum personagem argentino tem seu rosto retratado. Todos os que se comunicam com a protagonista, Xiaobin, estão posicionados no extra-plano, sendo possível apenas ouvir suas vozes. Até quando precisam entrar no quadro, quando como a chinesa vai a um restaurante a procura do famoso “churrasco”, os personagens no local estão sempre de costas para a câmera, tanto o garçom que a atende quanto os figurantes no fundo. Assim, cria-se um clima de isolamento, que auxiliado pela fria e esbranquiçada paleta de cores, nos faz compreender a dificuldade da situação mostrada. E mantendo a coesão narrativa, Wohlatz acerta ao passar a enquadrar outros personagens ao passo que sua protagonista consegue interagir melhor através do castelhano.
Outra escolha interessante e que muito agrega à ideia do filme é manter um elenco de amadores. Com exceção da protagonista, quase todos os personagens são interpretados por pessoas sem nenhuma experiência cênica. Tal opção, aliada à manutenção de enquadramentos com excessivo uso de close-ups e primeiros planos cria uma estética documental que enriquece ainda mais o filme. Futuro Perfeito é uma amálgama de diferentes elementos cinematográficos, utilizando artifícios de cinema documental para contar uma ficção, criando uma narrativa original. Infelizmente, Wohlatz não parece saber conciliar tantos elementos divergentes em uma narrativa focada. O tom frio trazido pela fotografia e pelas atuações torna o filme monótono. Não ajuda a montagem, que ao conectar cenas distintas tentando criar uma ilusão de desconectividade, que infelizmente torna o filme uma vã tentativa de emular uma estética semelhante a do grego Yorgos Lanthimos.
E se esteticamente Wohlatz mostra ter ambição, o mesmo não podemos falar do enredo do filme. Com uma narrativa que vai se esmaecendo durante a curta projeção (apenas 62 minutos de metragem), o filme aos poucos esgota seus recursos e torna-se apenas um exercício documental de orientais tentando aprender castelhano, guiado por uma protagonista que busca sua identidade. A questão do cordão umbilical psicológico que acorrenta a protagonista aos pais também é pouco explorada, e surge apenas como um enfeite na história. Ao passo que a falta de novos elementos torna O Futuro Perfeito monótono, há de se dizer que parte do público também pode compreender tal situação como uma tentativa de manter a obra na realidade, ou seja, a ausência de uma grande curva no roteiro torna-se uma ferramenta para fortalecer o tom documental.
Sabendo expressar com imagens a força da linguagem, a obra se destaca por fugir das fórmulas comuns na estruturação de sua narrativa. Sendo capaz de causar incômodo pela dissonância visual gerada pelos inúmeros momentos onde os personagens não conseguem se comunicar pela barreira linguística, o filme cumpre seu papel de nos fazer pensar no poder da comunicação. Uma pena que o filme se calque tanto em sua construção incomum e esqueça de desenvolver sua trama.