Quando se fala sobre a recente onda de extrema-direita que ganha força em diversas partes do mundo, frequentemente se toma o caso húngaro como um dos exemplos, ainda que sem a mesma importância de Donald Trump nos Estados Unidos ou mesmo Jair Bolsonaro no Brasil. O país do leste europeu, que nas décadas de 1930 e 1940 viveu uma experiência de características fascistas e, do imediato pós-segunda guerra mundial até o final da década de 1980 foi uma ditadura comunista, tem hoje um regime parlamentarista dominado por uma liderança (Viktor Orbán) e um partido (o Fidesz) de forte viés autoritário.
“Hungria 2018: Bastidores da Democracia”, de Eszter Hajdú, acompanha a última eleição parlamentar húngara, que consolidou o poder do Fidesz e de Orbán. Na verdade, o filme é muito direto em sua estratégia: filma com distanciamento quase jornalístico pronunciamentos de líderes do partido governista enquanto acompanha os bastidores da campanha do oposicionista (e ex-Primeiro Ministro) Ferenc Gyurcsány, numa espécie de versão reduzida de “Entreatos” (2004), de João Moreira Salles.
O maior problema de “Hungria 2018: Bastidores da Democracia” parece, a princípio, residir justamente na repetição excessiva dessa estratégia. O documentário é composto basicamente por sequências de Gyurcsány em casa, ou conversando com eleitores nas ruas de Budapeste, seguidas por esses eventos do Fidesz em que alguma barbaridade é dita sem a menor vergonha. Talvez a mera apresentação, num curta-metragem, de uma atividade de cada campanha e do resultado acachapante das eleições fosse o suficiente para Hajdú construir o retrato pretendido da situação de seu país.
Ou talvez não. Porque, no fim das contas, a repetição do contraste entre as viagens, caminhadas, conversas e entrevistas de Gyurcsány com a verbalização de mentiras e teorias da conspiração esdrúxulas, mas espantosamente convincentes para parcelas significativas da população húngara, é uma forma de incorporar ao formato do filme a própria lógica do tipo de embate político travado hoje. À discussão de problemas concretos da população, prefere-se acreditar em fake news bizarríssimas (travestis estimulando as cirurgias de mudança de sexo na Inglaterra, mulheres suecas pintando os cabelos de preto para não serem estupradas por imigrantes muçulmanos que, supostamente, preferem as louras). Nada muito distante do Brasil também de 2018, em que o candidato da “mamadeira de piroca” e da “ideologia de gênero” ganhou as eleições sem precisar frequentar os debates televisivos.
Portanto, apesar de ser um documentário bastante tradicional e que claramente escolhe um lado na disputa eleitoral que acompanha, “Hungria 2018: Bastidores da Democracia” é exitoso pelo grito quase de desespero que representa. É como se Hajdú, de peito apertado, lançasse ao mundo um relato/alerta angustiado, pedindo algum tipo de ajuda, de solidariedade que seja. Do lado de cá, nessa parte do mundo chamada Brasil, a identificação é total e a vontade é de gritar de volta.