Antes de ler a crítica do documentário Jim & Andy, sobre os bastidores de O Mundo de Andy, leia nosso Canto Cult do filme clicando aqui.
Quando perguntado sobre como gostaria de começar o filme, Jim Carrey responde prontamente: “gostaria que já tivesse começado e que não terminasse. Quando esse filme começou?”. Falar sobre Andy Kaufman, sua releitura do icônico comediante e os bastidores da produção do filme de Miloš Forman vai além de um bate-papo com curiosidades triviais. É uma dança na corda bamba que é o estilo de vida escolhido por certo artistas. Ao mesmo tempo que sair da zona de conforto e oferecer ao púbico algo diferente do que ele espera é libertador, assumir uma identidade alternativa incorre no risco de perder a própria.
Existem duas vertentes teóricas que não são abordadas nominalmente em Jim & Andy, mas são a essência do filme e da atuação de Carrey: o Sistema Stanislavski e o Método de Interpretação para o Ator. O “Sistema”, elaborado pelo teatrólogo russo Constantin Stanislavski, tratava a emoção como responsável pela autenticidade de uma cena, e tal emoção é precedida por uma ação. Por exemplo, jogar um prato na parede para despertar um sentimento de raiva. Já o “Método”, principalmente a versão do ucraniano radicado nos Estados Unidos Lee Strasberg, trabalha com técnicas para despertar as emoções registradas na memória do próprio ator, que assim poderá utilizá-las no palco ou na frente das câmeras.
Como me foi muito gentilmente ensinado por duas atrizes, é impossível prever as emoções que uma situação despertará. Podemos, no conforto do lar, dizer que queremos uma arma apenas para proteção pessoal e, num momento de irritação, descarregá-la num motorista por nos fechar no trânsito. Ao receber um texto, o ator programa suas ações físicas juntamente com as falas, para que as emoções cheguem e ele possa “entrar no personagem”. Essas emoções são resultado, além das ações físicas, do conhecimento que o ator tem do personagem e do seu texto.
O que Jim Carrey fez para compor Andy Kaufman e Tony Clifton, duas personas independentes, foi exatamente encontrar uma ação que lhe pareceu adequada e entrar no “modo de repetição”, até que aquilo se tornasse não um trabalho de ator, mas uma possessão. Carrey deixa claro que, no momento em que entendeu o que Andy faria se estivesse em seu lugar, ele “perdeu o controle”. A partir daí, o “próprio” Andy Kaufman estava fazendo o filme. Algo que quase levou à loucura diretor, elenco, equipe técnica e Carrey, que virava “passageiro” na maior parte do tempo, tendo a própria personalidade subjugada, principalmente, pela de Clifton.
Vale dizer que isso não é um misticismo, mas técnica aplicada. Jerry Lawler, que conheceu Andy Kaufman em vida, não aprovou a forma como Carrey o representou. Mas o próprio Jim salienta que a decisão final sobre como um personagem deve ser não é da pesquisa ou das pessoas consultadas, mas do ator. Jim Carrey encontrou o seu Andy Kaufman e permaneceu fiel a ele até o fim.
Dentre os diversos momentos marcantes de Jim & Andy, merece destaque a conversa entre Carrey e Forman, quando este diz que a convivência com Kaufman e Clifton está se tornando insustentável e aquele responde que, se for da vontade do diretor, os dois poderiam ser “demitidos” e o próprio Carrey faria imitações “bem convincentes” deles. Algo que Forman se nega a aceitar, pois sabia que estava realizando algo especial. Não houve uma piada elaborada sobre Jim Carrey agindo como um idiota intencionalmente para irritar os companheiros de trabalho. Para ele, assim como para os demais envolvidos, tudo foi real.
Jim & Andy é uma prova de que a forma pode ser tão especial quanto o conteúdo. O diretor Chris Smith, organicamente, estabelece paralelos entre Carrey e Kaufman, intercalando bastidores de O Mundo de Andy com vídeos antigos da carreira de Jim e Andy, fazendo as perguntas certas – Werner Herzog é mencionado na seção de agradecimentos do documentário, o que ajuda a explicar algumas decisões de Smith como a câmera frontal e a completa liberdade do entrevistado para deixar suas emoções fluírem e isso ditar o rumo da conversa, não o contrário.
Essas semelhanças pintam um Jim Carrey que se aproximou de Andy Kaufman não pelo papel interpretado, mas pelas escolhas profissionais e pessoais. Seria insensível, desumano e mentiroso negar que a fragilidade de Jim demonstrada em algumas de suas respostas emociona. Seu discurso sobre personagens criados para o mundo e o quanto estes personagens sufocam quem realmente somos parece ser a respeito de Andy, mas é sobre ele próprio.
Jim & Andy deixa uma desagradável sensação de que estamos vendo Jim Carrey num filme pela última vez. Talvez seja uma impressão equivocada. Ou talvez seja o intérprete tão próximo de seu personagem, que não precisou morrer para se libertar do mundo que não estava interessado nele, mas em suas criações. Mas, entre o que é ou não real, as única certezas são as emoções. E tanto as de Jim quanto as de Andy são, sem dúvidas, genuínas.
Assista a Jim & Andy clicando aqui.