Plano Aberto

Kevin

Construído a partir do reencontro real de duas amigas após um longo tempo separadas, o documentário Kevin se apresenta como uma obra naturalista, de construção formal bastante simples. A câmera mal é percebida em boa parte do tempo; está lá parada, estática, enquanto o que move a narrativa são as conversas entre a diretora e protagonista e sua amiga Kevin. Joana Oliveira escolhe ser bem minimalista em sua abordagem e quer que as suas interações com a amiga Kevin falem por si. É um filme de interações, de sentimentos, de reaproximação e nostalgia, que consegue ser tão humano que chega a ser imperfeito.

Ao mesmo tempo, é também um dos mais difíceis filmes de se escrever sobre que encontrei em Tiradentes em 2021. É complicado de escrever por ser estranho de se assistir. Kevin não nos dá respostas nem caminhos fáceis. Quando parece estar rumando para um estudo de contrastes culturais (as amigas que se conheceram na Alemanha e agora se reúnem em Uganda), logo troca para questões muito menos globais e mais pessoais de cada uma das personagens. E essa própria diferenciação entre o que é íntimo e o que é do mundo não é exatamente um tema que Joana Oliveira parece estar interessada em estudar com sua obra.

Por mais que em dado momento Kevin pareça um pouco perdido no meio termo entre essas duas possibilidades dramáticas distintas, ainda assim o documentário consegue ter como maior força a relação entre Joana e Kevin. As interferências nas imagens são poucas, mas importantes. Quando uma fotografia de 20 anos atrás surge, é para mostrar a importância do resgate daquela amizade pra sua protagonista. É como se pudéssemos reviver com ela tempos mais simples, menos problemáticos e mais esperançosos. A viagem, afinal, é uma busca por um passado de conforto com a amiga, já que em casa, Joana estava sendo mentalmente consumida pelos problemas de saúde de seu pai.

Talvez seja justamente por operar na linha tênue entre documentário e ficção que Kevin seja um filme de tantos dilemas. Não se sabe o que é incidental e o que é parte do olhar de Joana. Por isso, a sensação de imprevisibilidade na cadeia de eventos do filme é constante. Apesar disso, Kevin ainda é valoroso por conseguir, mesmo tão incerto quanto às suas raízes ficcionais ou documentais, pessoais ou universais, manter como epicentro dramático justamente o que é mais importante para sua autora e protagonista: o reeencontro, o afeto, a amizade. O afago em um momento de incertezas e dores. Kevin é um grande filme por ser, assim como todo ser humano, errante, mas ao mesmo tempo sincero e intenso.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a 24ª Mostra de Tiradentes. Para ir até a página principal da cobertura, clique aqui
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