Licorice Pizza

Licorice Pizza

Jogos de amor em Los Angeles

Matheus Fiore - 16 de fevereiro de 2022

O romance é o ponto de partida de Licorice Pizza. O novo filme de Paul Thomas Anderson começa quando o menino Gary (Cooper Hoffman) tenta seduzir a mulher Alana (Alana Haim). Mas, por mais que à primeira vista pareça ser o amor o guia da jornada dessas duas figuras, aos poucos ele se torna um adereço, algo menor. Licorice Pizza se revela uma obra muito mais interessada nos jogos de poder protagonizados pela dupla protagonista. O amor não é sequer o elo que liga Gary e Alana, mas uma embalagem para algo muito mais complexo do que eles imaginam.

Licorice Pizza é ambientado em Los Angeles. Se há uma cidade que mereça ser conhecida como o centro mundial das ilusões, das imagens e do poder, essa tem de ser a cidade onde Hollywood foi moldada. Mas esses jogos de amor em Los Angeles passam longe de ser uma desconstrução da aura nostálgica setentista ou sequer um olhar afetuoso para um passado mais simples. Na verdade, o que PTA almeja é mostrar como o poder e o status são as verdadeiras forças motrizes por trás de todos os sentimentos que vemos em tela.

Por mais que o relacionamento entre os protagonistas seja iniciado por um interesse romântico genuíno de Gary, é Alana que comanda toda a dinâmica. A personagem, como o diretor deixa claro, não está na disputa por amor, e sim por poder. Alana vê Gary como uma ponte para ter sucesso, ter uma carreira, um futuro longe das asas da família. Gary, claro, é levado para esse jogo, e sua falta de perspectiva como ator mirim logo o faz se tornar um empreendedor de múltiplos negócios (qualquer um que o garanta a mínima estabilidade e o aproxime de seu amor, cujos objetivos ele entende inconscientemente).

É uma tragédia filmada como uma comédia. Gary vê tudo com a leveza que uma criança típica deve ter. Puxado para um jogo de adultos tendo apenas 15 anos, o menino parece não perceber seu deslocamento nesse jogo de poder comandado por Alana. Para ele, é apenas sedução, apenas afeto, e Paul Thomas Anderson garante que o espectador também tenha esse olhar infantilizado, magnetizado pelas romantizações. Apesar de estar na dianteira da disputa, entretanto, Alana também não entende bem o que a leva a fazer as coisas que faz. Se ao fim, Gary continua sendo apenas um menino, é em Alana que vemos o grande desenvolvimento ao entender como o poder anula o amor (a fantástica cena do jantar do vereador vivido por Benny Safdie).

De certa forma, a dinâmica da dupla lembra um pouco os jogos do último filme de Anderson, Trama Fantasma. Mas isso se desenvolve sob uma estrutura narrativa como a de Vício Inerente, apresentando uma narrativa cujos arredores expressam muito mais do que o que está no centro do plano e da trama. Gary e Alana são produtos de Los Angeles, são jovens que veem seus desejos serem sequestrados pela ânsia da cidade de transformar tudo em imagem e poder. Não é nem de longe acidente que o Jon Peters de Bradley Cooper olhe nos olhos de Gary e o diga “eu e você somos o mesmo”, momentos antes de dizer que vive para correr atrás de um “rabo de saia”. É um personagem que vive para reafirmar sua posição de homem alfa, de masculinidade e virilidade diante do resto do mundo. Barbra Streisand desmarcou um encontro? Não tem problema, ele vai vagar alcoolizado pela cidade em busca de uma nova companheira custe o que custar.

Com essa dinâmica de Gary vivendo o amor em um mundo onde o sentimento é subjugado pelo poder, Paul Thomas Anderson encontra algumas das mais belas imagens de sua carreira. Quando um salto de moto sequestra os olhares de todos pela relevância social e cultural do motoqueiro, Gary dispara na direção contrária em busca de seu amor. O menino, ainda com o olhar de inocência e esperança típico do adolescente ainda não enquadrado pela vida adulta, sempre escolhe o amor. Enquanto Alana procura novas formas de lucrar apenas para ter poder, Gary só o faz para se aproximar de seu amor. É um filme que trabalha dois personagens com desejos praticamente opostos.

É justamente quando Alana entende que Gary, com sua visão pura e intocada de amor, não age guiado pelas imagens e pelo lucro, e sim por seu próprio coração, que a jovem ambiciosa enxerga o que pode estar perdendo. Se, ao longo da trama, Licorice Pizza se estabelece como um jogo de poder que acorrenta o amor, ao fim, o amor com olhar infantil, puro e genuíno, parece ser a única forma de escapar de uma existência miserável calcada na busca por relevância na cidade das imagens.

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