Desde o surgimento da saga Marvel nos cinemas, iniciada em 2008 com o divertido Homem de Ferro, a Warner vê os direitos dos personagens da DC Comics queimando em suas mãos. Incapazes de dar seguimento à bem sucedida trilogia Batman de Christopher Nolan, a saída encontrada foi pôr nas mãos de Zack Snyder (300 e Watchmen) a responsabilidade de criar, assim como há na concorrência, um universo de filmes interligados. Diferente do que aconteceu com Os Vingadores, quando a Marvel lançou obras individuais de cada personagem para, posteriormente, uni-los na telona, a Warner decidiu mesclar os longas de equipe com as aventuras solo de cada um. Após o sucesso de Mulher Maravilha, a corrida pelo topo das bilheterias segue com Liga da Justiça, a primeira versão cinematográfica do mais icônico grupo de super-heróis da história dos quadrinhos.
Um dos pontos mais criticados da construção do novo universo DC/Warner é o tom. Com a mão pesada de Snyder, as primeiras obras dessa saga (O Homem de Aço e Batman V Superman: A Origem da Justiça) ganharam tom soturno, transportando para as telas alguns dos momentos mais sombrios do cânone dos heróis. Aliando histórias densas com discussões morais e políticas, estas obras ainda fizeram uso de uma concepção visual deliberadamente escurecida, com cores dessaturadas, acinzentadas, que diferenciam – e muito – este universo do da concorrência. Visando a conquistar o público, a DC, então, desistiu de apostar na seriedade e na violência. Esqueça mortes e confrontos violentos, Liga da Justiça é uma versão live action honesta, contida e divertida das histórias dos gibis. Sai o drama e a ação, entram a aventura e a comédia.
Na trama, que acompanha a necessária formação da equipe diante da chegada do Lobo da Estepe, um vilão milenar que quer destruir o mundo, vemos uma variação de personalidades bastante semelhante à da concorrência. Se o Flash de Ezra Miller é o cerne do humor do filme – como é, atualmente, o Homem-Aranha na Marvel -, os outros não ficam muito atrás: Aquaman e Batman também trazem sua dose de piadas, geralmente construídas numa fórmula de escada, onde um personagem cria uma deixa para o próximo soltar alguma frase de efeito. O acerto é manter os outros membros da equipe, Ciborgue e Mulher Maravilha, mais sérios, já que são os personagens com arcos dramáticos mais claros – o primeiro tem uma jornada de autoaceitação por sua transformação em ciborgue e a segunda precisa retomar seu amor pela humanidade após o trauma da perda de Steve Trevor.
Evitando riscos como o efeito “Martha” de BvS, Liga da Justiça aposta em uma condução simplista. A obra introduz seus personagens, seus conflitos, nos apresenta ao vilão e cria o objetivo, mais uma vez sustentado pelo elemento bomba (similar ao que ocorre nos dois filmes dos Vingadores). Por trás de tal organização de acontecimentos, Liga tenta criar, em seu conteúdo – isto é, a “alma” do filme -, uma história sobre união e esperança. Nisso, porém, a trama peca por não saber utilizar a forma para enaltecer tal conteúdo, fazendo com que o longa seja um grande blockbuster de “aventurédia” que, ocasionalmente, interrompe sua história para inserir alguma frase motivacional a fórceps nos diálogos entre os super-heróis.
Se não pelo roteiro, por algumas escolhas de planos a obra consegue transmitir a ideia de esperança que Snyder tanto almeja tratar. Na introdução da obra, por exemplo, há o epílogo, que traz um registro feito por celular no qual o Super-Homem fala sobre o símbolo em seu peito (que significa esperança). Na sequência, na abertura do filme, vemos um plano aéreo que traz uma Gotham chuvosa, vista de cima de um prédio, com a câmera direcionada para o chão de um beco da cidade, numa noite escura. Com apoio dos diálogos, essa cena estabelece o cenário sombrio causado pela ausência do kyrptoniano, morto ao final de Batman V Superman. O clima de desesperança é implícito, mesmo que não desenvolvido posteriormente. Já no final da projeção, há o plano inverso, trazendo uma câmera posicionada ao chão, movimentando-se em busca do topo dos prédios, alcançando um ensolarado céu. Com isso, desenha-se, em Liga da Justiça, não somente uma história de união, mas uma retomada de esperança em tempos de medo.
Temas periféricos ao conflito central existem e são registrados pontualmente. A trama dos foragidos localizados no norte da Rússia, por exemplo, traz uma clara ligação com a atual crise dos refugiados sírios que cria tensão na Europa. A manutenção de uma fotografia acinzentada para retratar tal região é interessante, já que é um cenário que representa a decadência do mundo, um lugar onde apenas os esquecidos e marginalizados habitam. Há ainda uma inversão estética interessante, quando o vermelho passa a dominar o cenário no ato final, graças à presença do vilão e seu exército. A fotografia rubra emana urgência, sendo eficiente para criar alguma apreensão diante do inevitável conflito entre os heróis e o Lobo da Estepe. O aspecto técnico que deveria fortalecer a sensação de urgência é a montagem, mas não não há uma alternância entre os conflitos, que ocorrem um de cada vez e de forma isolada e ordenada, o que torna a ação mecânica e episódica. Aliás, a montagem também faz a mesma opção no ato inicial, quando os personagens têm suas histórias divididas em blocos e minutos, surgindo episodicamente e de forma desconexa pela curta duração das passagens e, com isso, prejudicando o ritmo do longa.
Há uma clara pasteurização em Liga da Justiça. Mesmo que a Warner/DC tenha optado por criar um filme mais conciso e contido, a sensação dominante ao fim da projeção é que falta algo, além da nostalgia, para elevar o filme a um patamar superior. Até a metragem, para os padrões do universo da DC, impressiona pela curta duração: apenas 120 minutos (contra 140 de O Homem de Aço e Mulher Maravilha e 180 de Batman V Superman). Com tantos personagens em um filme de apenas duas horas, o resultado é dramas superficiais e pouco trabalhados, o que impede que haja maior impacto no ápice das relações. Os arcos de Batman e Mulher Maravilha, por exemplo, até são interessantes: para o primeiro, é criada uma jornada para livrar o Morcego de Gotham da culpa pela morte do Super-Homem; para a segunda, há o desejo de absorver a perda de Steve Trevor para engajar-se novamente na luta pela humanidade. Mas ambos só são devidamente explicados no meio para ao fim do ato central, um erro estrutural imperdoável que compromete um possível apogeu dramático. No momento em que ambos começam a ter seus lados psicológicos desenvolvidos, o filme já está encaminhando para seu clímax, e não há espaço para mais nada que não piadas e combates.
Liga da Justiça é divertido e sóbrio. Zack Snyder e a DC/Warner apostam numa lenta transição do estilo soturno presente nas obras anteriores do universo para uma aura mais despretensiosa e cartunesca. Até as cenas pós-créditos, característica marcante da concorrência, marcam sua presença em Liga, deixando claro que a DC cansou de apanhar da Marvel e decidiu abraçar o que, na visão do estúdio, os rivais têm de melhor. Considerando apenas o universo pertencente à Warner, é um alívio para o público ver um produto menos exagerado e com pretensões mais humildes. Num panorama geral, porém, é um pouco limitador ver como os filmes de herói, sejam eles da Marvel ou da DC Comics, estão cada vez mais parecidos. A sensação é a de que Liga da Justiça é a Alemanha no segundo tempo do fatídico jogo contra o Brasil na Copa do Mundo de 2014. Após o 5×0 do primeiro tempo, restou jogar de forma segura e fechar a partida com um 2×1 na segunda etapa. O problema é que não houve o 5×0. A obra, então, é um 2×1 divertido e funcional, mas magro.