A Netflix vem se especializando em filmes de guerra e comédias. Depois de seu primeiro longa original, a obra-prima Beasts Of No Nation, foi lançado o fraco Castelo de Areia. Já no humor, as infames obras protagonizadas pelo obtuso Adam Sandler vêm se destacando negativamente. Em 2017, então, chega Máquina de Guerra. Dirigido pelo David Michôd, responsável pelo fantástico The Rover: A Caçada (que você pode ler minha crítica aqui), o filme protagonizado por Brad Pitt era uma das esperanças do serviço de streaming para alcançar o sucesso de público de alguns de seus projetos anteriores. O resultado, entretanto, decepciona.
A trama acompanha o general Glen McMahon, (Pitt), militar americano que lidera uma equipe durante a ocupação americana no Afeganistão. O roteiro se desenvolve ao redor da dissonância cognitiva do personagem, que é incapaz de compreender seu papel na guerra e vê-se como um agente da paz no oriente médio quando, obviamente, é apenas mais uma marionete da máquina de guerra chamada Estados Unidos da América. A narrativa utiliza o contraste entre áudio e visual para estabelecer uma sátira. Percebe-se um enorme vácuo entre o que o narrador nos conta sobre Glen e o que observamos. Seu currículo, por exemplo, sugere um profissional sério, inteligente e competente, mas ao observarmos o personagem de Pitt, vemos um homem de meia-idade atrapalhado, burro e caricato.
Explorando a vontade de seu protagonista de mudar o país que ocupa, o filme acerta ao tratar Glen como uma figura análoga aos presidentes americanos. Suas visitas às ruas afegãs em busca de “votos”, por exemplo, é um momento interessante, servindo para mostrar como o personagem vive uma realidade totalmente paralela à dos habitantes da cidade e fazendo referência às turnês de campanhas presidenciais. A forma como McMahon é manipulado por seus superiores e, consequentemente, manipula seus subordinados, também retrata muito da realidade como a América guia suas forças militares em missões políticas que se disfarçam de pacificações.
Se Máquina de Guerra seguisse a linha satírica proposta, poderia ser mais uma comédia agradável, bem inspirada no clássico Doutor Fantástico, de Kubrick. Michôd, porém, conduz sua narrativa para um drama de guerra a partir do segundo ato que enfraquece o longa. E não me entendam mal, não vejo problema nenhum em ser um drama de guerra, mas Michôd acaba perdendo o foco e não desenvolvendo bem uma linha de raciocínio satírica e muito menos conseguindo construir algum drama. Não há desenvolvimento dos personagens nem um grande arco a ser desenvolvido e concluído. Máquina de Guerra é um filme que quer ser cômico e político, mas não faz a menor ideia de como construir suas críticas. Em certo momento surge, inclusive, uma participação totalmente deslocada de Tilda Swinton, quando a atriz vive uma repórter que, em uma coletiva de imprensa, cospe ao público tudo que a obra quer mas não consegue falar da forma mais óbvia e didática possível. “Tá vendo? Estamos falando sobre isso aqui, ó!”
A atuação de Brat Pitt é um show (ruim) à parte. É difícil acreditar que seja o mesmo ator que participou de Se7en. Aqui o americano é incapaz de achar um elo entre a sátira e o sério sem parecer um boneco “ken” humano. Com movimentos totalmente robóticos, caretas excessivas e tom de voz forçado, não só não há nenhuma humanidade no personagem, como tais escolhas de construção tornam as tentativas do filme de imprimir drama um fracasso completo. Tudo isso, claro, seria amenizado se a obra, como dito nos parágrafos acima, optasse por focar na sátira, sem tentar redirecionar a narrativa para o drama. Prejudica também a organização dos acontecimentos e a montagem, que administram um ritmo uniforme que faz os 120 minutos da metragem parecerem uma eternidade.
Não beneficia o filme a má escolha de cores do diretor de fotografia Dariusz Wolski, que só alterna entre uma camada fria acinzentada e outra amarelada, sem tentar construir um sentido em tais variações. Aliados às escolhas de plano óbvias que pouco utilizam a linguagem do cinema, construindo cenas apenas com planos e contra-planos óbvios, tornam a obra mecânica e sem vida. A trilha musical também pouco contribui para a narrativa, repetindo passagens que mais parecem oriundas de um filme de exploração espacial e estão sempre desconexas com os tons do filme. Em suma: como se não bastasse as más escolhas de gênero de Michod, a ala técnica de Máquina de Guerra é um desastre à parte que em nada absolve o fracasso que é o longa como um todo.
Máquina de Guerra não chega a ser intragável, sendo salvo pelos momentos satíricos do longa, quando faz comentários políticos interessantes, principalmente na cena do “embargo” americano sobre o cultivo de algodão afegão, que mostra como a América finge que se importa com outras nações, contanto que o interesse desses países não prejudique os interesses dos próprios americanos. Apesar do fracasso geral, os últimos segundos do filme trazem um momento de rara felicidade, com uma piada que sintetiza a real situação das ações militares americanas no oriente-médio. Infelizmente, é pouco. A obra representa mais do que mais um erro da Netflix, mas uma verdadeira mancha nos currículos de Pitt, Michod e Ben Kingsley, que aqui entregam seus piores trabalhos até hoje. Que pelo menos o serviço de streaming tenha a humildade de aprender com seus erros e trazer conteúdo de melhor qualidade no futuro.