Plano Aberto

MaXXXine

Ti West vê a busca pela fama como uma maldição. Se X: A Marca da Morte mostra as vidas de todos que aspiravam sucesso sendo ceifadas de forma brutal, Pearl decide investigar essa maldição de forma mais focada, em uma única personagem – a de Mia Goth que dá título ao filme. Mas Pearl ainda opera sob a ideia de uma busca já fadada ao fracasso, e assim, apresenta uma espécie de O Mágico de Oz às avessas, como se Dorothy jamais tivesse conseguido fugir de seu rancho e estivesse para sempre destinada a existir naquele espaço limitado.

MaXXXine, o terceiro da franquia, chega para confirmar a ideia, mas imaginando um caminho oposto ao de Pearl. A personagem título (novamente Mia Goth) é uma estrela da indústria pornô e agora vai ter sua grande chance no terror. A maldição, porém, persiste, já que logo Goth se vê perseguida por seu passado. Mas essa não é a única novidade de MaXXXine. Se antes, Ti West referenciou slashers e fantasias clássicas para contar sua história, o mesmo acontece no novo filme, só que dessa vez, diretamente da cidade dos anjos, no coração da indústria. E esse espaço é (ou tinha potencial para ser) um diferencial enorme.

Como filme que referencia Dublê de Corpo em vários momentos, MaXXXine sempre está preocupado com a relação de sua protagonista com a imagem. A iconografia de Maxine Minx constantemente reafirma seu papel de estrela em ascensão. Ti West acredita em sua protagonista e a protege. A câmera sempre está em busca de um ângulo seguro para Maxine durante sua jornada, e o terror não é utilizado como o gênero predominante, mas como algo que se esconde em cada esquina e espreita enquanto aguarda a chance de atacar. É interessante como há esse duelo de gêneros no filme. A protagonista quer viver um drama (com toques de comédia) enquanto é perseguida pelo terror – o mesmo gênero que quer estar em sua carreira. Nesse aspecto, Ti West se sai melhor do que nos antecessores, pois por mais que haja uma certa dificuldade em lidar com os gêneros, aqui, há pelo menos um mecanismo narrativo nisso.

O problema aparece quando West quer referenciar clássicos mais diretamente. Quando Psicose entra em cena, o cineasta cultua a obra de Hitchcock, enaltece o espaço, o ícone, mas não consegue inseri-lo na narrativa se não for a fórceps. Diferente de De Palma, West não propõe um diálogo com Hitchcock como um  cinéfilo – De Palma trouxe elementos de Psicose para os anos 80 com Vestida Para Matar, fez uma releitura da estrutura e das ideias do filme – mas como um tuiteio, que se satisfaz com sacadinhas ou imagens prontas para ilustrar a página One Perfect Shot. A casa do filme de 1960 está lá como objeto a ser cultuado, mas nunca como elemento visual a construir algo narrativamente. É um espaço estático e vazio – no sentido figurativo mas também no literal.

A coisa degringola conforme a trama avança e tanto o conflito entre comédia e terror quanto a investigação de Hollywood como esse lugar de bênçãos e maldições é posto de lado em prol das referências. É como se o modus operandi Disney tivesse contaminado a franquia e MaXXXine precisasse referenciar mais a cada momento e fizesse de seu clímax não um ápice da jornada de Maxine Minx e da relação da cidade dos sonhos com os gêneros do filme, mas um intervalo comercial de obras do passado. Deixa de ser uma brincadeira de cinéfilo e se torna, na verdade, uma corrida de internet, uma caça aos easter eggs. Há um esvaziamento da jornada de Maxine que nem mesmo um plot twist consegue salvar naquela altura do campeonato. 

West se perde quando tenta propor uma ponte com o clássico mas apenas o admira sem saber o que construir com ele. No fim das contas, o filme escolhe ser menos a câmera que insiste em buscar o rosto e o corpo de Maxine Minx, nascida para brilhar, e mais os carros passeando por Hollywood Hills com trilha dos anos 80. É mais a embalagem do que o produto, mesmo que haja, em algum lugar perdido ali, um estudo de estrelismo interessante. Se no começo do filme fica a sensação de que o star power de Maxine é tão forte que seria capaz de ligar uma câmera com sua mera presença, no fim, a sensação é a de que o operador dessa câmera parou de procurar pela atriz e foi curtir os anos 80. Mas Maxine continua lá, sendo a estrela, só não temos diante de nossos olhos as imagens que concretizem a jornada sem que no caminho o filme pare para fazer tantas outras coisas – as reviravoltas, a obsessão pela década e pelas referências – que afastem a narrativa do seu principal objeto de estudo. A grande revelação de MaXXXine é que a grande maldição do filme é menos a busca pela fama e mais o culto ao clássico sem com ele construir um diálogo.

Sair da versão mobile