Plano Aberto

Mulher Oceano

Dividido em duas linhas narrativas que transcorrem paralelamente em Tóquio e no Rio de Janeiro, Mulher Oceano, estreia de Djin Sganzerla na direção, carrega uma série de motes visuais muito recorrentes no cinema estrangeiro que aborda a capital japonesa. Os letreiros luminosos e as multidões de transeuntes, as ruas estreitas, os templos religiosos e os karaokês, o fuso horário que confunde os organismos dos viajantes e as janelas de hotel que permitem vislumbrar uma paisagem urbana monumental… Em alguns momentos, Sganzerla parece flertar com o olhar de Sofia Coppola em Encontros e Desencontros (2003).

Mas Mulher Oceano acaba seguindo por caminhos bem específicos, que esvaziam Tóquio enquanto cenário-personagem. No destaque que dá às águas como essa espécie de força irresistível e misteriosa que tudo domina, o filme revela seu interesse primordial pelos mistérios da criação artística. O acompanhar simultâneo das duas personagens interpretadas pela própria diretora, Hannah e Ana, logo se desvencilha de uma possível lógica narrativa do duplo, já desgastada, para explorar conexões nem sempre lineares entre real e ficcional.

Aqui o filme ganha corpo. Não que haja algo de muito inventivo no que Sganzerla propõe, mas ela transita bem pelas duas frentes, criando algumas rimas temáticas e visuais bonitas (como aquela que aproxima rituais xintoístas e candomblecistas). Ana, a nadadora do segmento carioca de Mulher Oceano, é uma personagem interessante, até mais que Hannah, a verdadeira protagonista. As cenas no Rio de Janeiro são melhores que as em Tóquio, sobretudo por essa dificuldade da diretora de, como estrangeira, obter um olhar próprio para uma cidade tão repetidamente filmada.

Muito do que acontece com Hannah em decorrência de sua presença no Japão (a relação com o escritor local Yukihiko, por exemplo) representa o que há de menos inspirado no filme, pois ligado a uma busca fracassada por algum tipo de transcendência (temática e estética). Por outro lado, as questões postas a Ana, mais conectadas ao mundano, geram momentos de boa condução dramática por Sganzerla, em que há real aproximação dos personagens – que, curiosamente, são ficções dentro da ficção (ao menos a princípio) – e compreensão de seus dramas. A partir dessa concretização dramática prévia bem-sucedida, a transcendência final de Ana se torna uma possibilidade aceitável.

No fim das contas, Mulher Oceano é bom mesmo na compreensão/proposição de um olhar aberto, não tão determinista, para as interferências da vida no processo criativo (e vice-versa). Às vezes as formas como esses contatos se dão são inusitadas, escapam do óbvio (novamente, o xintoísmo e o candomblé, mas também as amas japonesas e os nadadores cariocas), e o filme de Djin Sganzerla tem o mérito de reconhecer e abraçar isso como motor de sua narrativa.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a 24ª Mostra de Tiradentes. Para ir até a página principal da cobertura, clique aqui
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