A relação de uma comunidade com o espaço que ocupam é o coração de Muribeca, o documentário de Camilo Soares e Alcione Ferreira que abriu a exibição de longas do Cine PE de 2021. O filme se constrói a partir de depoimentos dos moradores do conjunto habitacional de Muribeca, que teve cerca de 70 edifícios construídos nos anos 80, mas que passou por problemas estruturais que não foram corrigidos devidamente. Apesar dos problemas, os responsáveis não prestaram o devido apoio aos moradores, o que fez com que o lugar fosse, pouco a pouco, demolido, e as pessoas, expulsas de seus lares.
O que se vê em Muribeca é uma seleção dolorosa de imagens. Soares e Ferreira fazem uma obra que se guia pelos depoimentos dos moradores, que contam suas histórias no conjunto, e pelas imagens do que é Muribeca no presente. Os depoimentos sempre começam com registros de ruas e prédios, para depois chegar aos rostos dos entrevistados. A escolha é interessantíssima, pois além de manter o lugar como protagonista, por sempre começar pelo espaço para chegar no indivíduo, Muribeca ressalta como o ambiente é seminal para as vivências de cada uma das pessoas que participam do documentário.
O que se vê é um cemitério de edifícios, e o abandono é perceptível em cada esquina daquele lugar. E Muribeca entende a arte como a única forma de lidar frontalmente com a injustiça do caso. Não só pela mera existência do filme, que documenta um lugar que em um futuro próximo não existirá para além da memória e do afeto, como também pelos artistas que participam da obra, prestando suas homenagens ao conjunto em forma de música. Muribeca é o não-raro mas bem feito exemplar de obra de cinema como memória, como registro de uma injustiça.
Apesar de ser extremamente melancólico, Muribeca não deixa também de ter seus momentos de leveza, pois sabe captar a humanidade da história que está contando e, antes de tudo, valorizar as boas memórias do lugar. A ideia não parece ser de forma alguma ser uma obra exclusivamente intensa, mas contrastar o peso negativo do presente com o clima de comunidade do passado. É, antes de tudo, um filme que busca reconhecer e investigar a humanidade do conjunto Muribeca para então mostrar como essa humanidade está sendo engolida pelo abandono. No fim, o registro do fim do lugar só funciona tão bem justamente porque, antes de mostrar a destruição, Soares e Ferreira mostram a formação da cultura de comunidade para chegar à destruição de um espaço (físico e afetivo).
Esse texto faz parte da nossa cobertura para o 25º Cine PE. Acompanhe a cobertura completa aqui.