“Nasce Uma Estrela” é um filme em que a música tem função narrativa essencial. É mais musical que, por exemplo, “La La Land“. Mas não é, surpreendentemente, do gênero “musical”. É uma história de amor, carregada de drama e com músicas. Muitas músicas.
Já nas primeiras cenas com Jack (Bradley Cooper) e Ally (Lady Gaga), há a intenção em criar rimas e associações visuais entre os dois. Jack vem das trevas dos bastidores para a luz do palco; Ally sai de um restaurante iluminado com lâmpadas fluorescentes e caminha por uma viela escura, rumo ao bar onde se apresentará. Jack é sistematicamente associado ao vermelho; Ally, ao azul. Jack é ímpeto, luxúria, excesso e intensidade; Ally é sabedoria, ponderação, contemplação e infinitude. O embate entre as duas personalidades movimenta o filme do começo ao fim e esse padrão de cor e iluminação aparece constantemente, mostrando que foi uma decisão consciente.
Em seu primeiro trabalho como diretor, Cooper aposta em muitos enquadramentos fechados, com os rostos dos personagens ocupando quase a totalidade da tela. De fato, isso facilita a sua tarefa, mas também proporciona um efeito interessante ao dar ênfase nas reações de cada um. Isso transfere a maior parte da responsabilidade por uma cena funcionar ou não ao elenco, que fica muito mais exposto do que numa composição mais aberta, onde mais elementos fazem parte das cenas. E é aí que vemos um elenco muito sintonizado à história que “Nasce Uma Estrela” está contando, com ênfase em Gaga, Cooper e Sam Elliott (os mais novos lembrarão dele em “O Grande Lebowski”).
Lady Gaga merece uma menção à parte. Ela consegue sair da persona da cantora. Em Português claro, ela não “se parece” com a Lady Gaga cantora. Há, sim, elementos autobiográficos na composição de Ally, mas eles não são explícitos ou ferramentas de autopromoção: eles fazem sentido dentro da narrativa criada. O melhor exemplo é o produtor Rez Gavron (Rafi Gavron), um dos grandes “vilões” do filme, uma alusão direta a experiências passadas pela própria Gaga em sua carreira (para mais detalhes, veja o excelente documentário “Five Foot Two” na Netflix). Sua parte musical extravasa, obviamente, nas canções do filme, mas também nos bastidores. Foi dela a ideia de gravar todas as cenas musicais ao vivo, com músicos tocando de verdade.
Essas sequências musicais mostram um trabalho inventivo e eficiente de Cooper, “iludindo” o espectador de que sabe tocar guitarra (closes em mãos sem exibir o rosto, planos que o focam de costas etc.), por exemplo. A edição também merece elogios individuais por juntar estes segmentos em um corte final coeso. Apesar da aplicação formal idêntica à dos musicais, em que canções são tocadas na íntegra e suas letras e arranjos refletem o sentimento dos personagens (ou seja, história está sendo contada por meio de música), o filme não se enquadra “academicamente” no gênero porque a realidade não é “suspensa” durante estes números. “Nasce Uma Estrela” não interrompe sua história para ilustrar um sentimento com números musicais, mas os incorpora à sua narrativa linear.
E é talvez na narrativa que o filme tenha o seu ponto mais frágil: além de contar um drama de ascensão e queda de forma bem clichê, o roteiro tem certa dificuldade em tomar um rumo e ir com ele até às últimas consequências. Os excessos de Jack não vão fundo o suficiente para entendermos o que acontece em sua mente. “Nasce Uma Estrela” poderia ser uma analogia para as duas faces do sucesso, a dificuldade de se conciliar carreira e vida particular ou até uma aventura trágica de uma protagonista incapaz de encontrar a plena felicidade, por mais que tente. Flerta com tudo isso, mas não se aprofunda em nenhum dos temas. Ao final, há uma certa dificuldade em assimilar o arco evolutivo de cada um e a mensagem que o filme quis passar.
Há muita virtude em “Nasce Uma Estrela”, mas quase nenhuma que o torne inesquecível.