Por Arthur Salles
Uma casa, dois mundos. A jovem Seri, na primeira das duas histórias apresentadas, vive com sua mãe no aguardo do retorno de seu falecido pai. Sana, mulher que sofre de amnésia, é acolhida por Toko no segundo relato. Para ambos os contos a mencionada casa serve de cenário para suas progressões – as quais ocorrem simultaneamente e sem a percepção das envolvidas.
Filmado como dissertação de seu mestrado na Universidade de Artes de Tóquio, sob a tutela de Kiyoshi Kurosawa, a diretora Yui Kiyohara apresenta “Nossa Casa” como um híbrido exercício entre gêneros e estruturações formais. É a partir da fragmentação temporal e espacial que o longa opera durante seus oitenta minutos, alternando o olhar ora sobre mãe e filha, ora sobre enferma e protetora. A transição ocorre gradualmente, ao ponto em que ambas tramas, cruzando-se entre si, geram ações uma à outra.
O manejar de tal recurso narrativo pela diretora deixa a desejar logo no início do imbricar entre as duas histórias. Não havendo uma correlação que se faça como necessário o uso de suas reviravoltas, “Nossa Casa” mais encena do que realmente põe em prática o seu diferencial estilístico, lançando mão de abruptas passagens a fim de incutir inócuas tentativas de choque. É por meio de sua condução austera, no entanto, que a produção tira proveito de seu material com a finalidade de localizar o espectador entre os dramas das confusas Seri e Sana. A certo ponto é possível enxergar uma como reflexo da outra, nas tentativas de desprendimento do presente e busca por suas memórias (materiais ou afetivas).
Para tanto, o controle que Kiyohara exerce sobre tais deslocamentos é fundamental. A condução das diferentes linhas narrativas, pontuadas por sentimentos e variações temporais próprias, é acertada inicialmente. Porém, passada metade de sua duração, o filme utiliza-se dos mesmos artifícios em excesso, buscando desdobramentos dramáticos e narrativos por meio de inexistentes consequências presentes no texto. “Nossa Casa” se prende à experimentação em detrimento da progressão harmoniosa de suas ideias tangíveis e formais, eliminando, ainda, a possibilidade de diferentes interpretações acerca de seus acontecimentos.
Há um interessante comando de mise-en-scène que permeia o filme todo, servindo como ligamento dos intervalos de suas mudanças dimensionais. Seja ao percorrer um cômodo inteiro ou ao indicar diferenças pontuais entre os espaços trabalhados, a câmera da diretora é precisa até mesmo nas breves incursões no terror que o filme propõe em seu final. Omite e revela cada nova surpresa, nesse instante, com eficiência, espreitando-se entre sombras e móveis como curioso olhar do espectador e criando tensão (apoiada pela inquietante trilha sonora) por curtos momentos.
Interessante idealização, apesar de não ser novidade, “Nossa Casa” falha por sua rigidez estética e falta de rumo ao conjugar em uma única via suas diferentes linhas narrativas. Seus desenrolares tornam-se insossos, entediantes e seu resultado é frustrante. Como longa de estreia na direção, no entanto, existem virtudes (ou, melhor: momentos) para um olhar atencioso aos próximos trabalhos de uma Kiyohara mais segura de si e de suas experimentações.
Onde e quando ver: Cineplex 5 – Novo Batel (10/06 – 18h45)
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival Olhar de Cinema de 2018.
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