O Bom Cinema parte de uma premissa bastante inusitada: o estímulo dado pela Igreja Católica à produção cinematográfica, nos anos 1950, como propulsor para um conjunto de novos realizadores no Brasil que, na segunda metade da década de 1960, deram vida ao que ficou conhecido como Cinema Marginal, na medida em que a abertura de um curso de cinema numa escola de padres em São Paulo teve importante impacto geracional. O diretor Eugenio Puppo constrói uma narrativa histórica dessa vertente cinematográfica moderna que é até bastante didática, mas que se mostra disposta a ir além do documentário convencional ao se restringir ao uso de imagens de arquivo.
Essa articulação entre cenas de diversos filmes é muito bem feita por Puppo, num procedimento que é basicamente o mesmo de Cinema Novo (2016), de Eryk Rocha, mas que, pela natureza das imagens utilizadas, produz um resultado bem mais ágil e prazeroso. O Bom Cinema consegue se conectar profundamente com a lógica desconstrucionista, confrontadora e debochada dos filmes marginais, assim como Rocha se conectou com o modernismo mais solene do Cinema Novo.
Além disso, Puppo encontra numa ótima entrevista de Carlos Reichenbach dada a um programa televisivo nos anos 1970 a voz perfeita para guiar o espectador pelo universo do Cinema Marginal, que por vezes pode ser árduo e de difícil acesso. A impressionante lucidez de Reichenbach torna cristalinos os propósitos daquela geração de realizadores e, ao mesmo tempo, marca posição de maneira bastante convincente diante da hegemonia cinemanovista que vigia à época e, em alguma medida, segue até o presente. É difícil não terminar O Bom Cinema se posicionando ao lado dos marginais nessa briga.
Por fim, há a satisfação da (re)visita a essas imagens iconoclastas e lúdicas. Mas Puppo não se restringe a fetichizá-las, como mero fã do Cinema Marginal (ou Pós-Novo, conforme prefere Reichenbach), nem a usá-las para somente ilustrar o que está sendo dito em voz over. O Bom Cinema comenta o Cinema Marginal por meio das cenas de seus próprios filmes, adotando um tom descritivo-analítico que, se não é agressivo ou debochado como as obras do movimento, consegue transmitir muito bem essa agressividade e esse deboche como princípios estéticos norteadores. É sempre recompensador ver documentários sobre cinema que são, antes de tudo, ótimo cinema.