O Dia da Posse

O Dia da Posse

Paisagens familiares

Wallace Andrioli - 8 de outubro de 2021

Em mais de um momento de O Dia da Posse se fala sobre o fato de muita gente ter aproveitado a quarentena decorrente da pandemia de Covid-19 para cozinhar mais, aprender novas habilidades, se exercitar etc. Inclusive há no filme imagens que reforçam esses comentários, flagrando algumas dessas práticas tanto no apartamento do diretor e do protagonista quanto nos de vizinhos deles (sempre filmados pela janela).

O registro audiovisual desses quase dois anos de confinamento também poderia ser citado dentre tais práticas e O Dia da Posse é a materialização mais didática possível disso. Trata-se de um filme visivelmente nascido da necessidade que tantos tiveram de dizer algo, por meio do cinema, a respeito do cataclisma que se abateu sobre o mundo – no Brasil, com uma dose a mais de tragédia, dada a presença de um psicopata na Presidência da República.

As imagens referentes à pandemia que povoam esse terceiro longa-metragem de Allan Ribeiro são incomodamente familiares. Não só porque muitos conviveram, ao longo desse período, com paisagens e hábitos semelhantes (esse seria um incômodo bom, produtor de desconforto no espectador diante de um reconhecimento meio patético), mas principalmente por não trazerem nada de novo em relação ao que vem sendo produzido sobre essa experiência desde 2020, e não apenas pelo cinema. Nesse ponto, o filme é um tanto frustrante.

Por outro lado, O Dia da Posse ganha corpo e se torna realmente interessante quando abandona o tema da Covid-19 e se concentra no seu protagonista, Brendo Washington, estudante de direito e namorado do diretor. Figura carismática e inquieta, o sujeito estabelece, diante da câmera, algumas tensões com Allan, provenientes principalmente de desigualdades regionais e de classe: o primeiro é baiano e tem origem pobre; o segundo, carioca de classe média. A relação de encantamento de Brendo com o Big Brother Brasil e com os ritos da política, por exemplo, gera comentários muito bons, reveladores de uma complexidade que poderia ser mais explorada.

Brendo, no fim das contas, merecia um filme todo para si, sem precisar disputar espaço com um tema tão pesado quanto o da pandemia. Essa última, mesmo que usada aqui como uma espécie de moldura, é importante e ruidosa demais para se restringir a esse lugar. Acaba sendo inevitável a divisão da atenção de O Dia do Posse e, com isso, o filme perde bastante força, já que não tem nada de substancial a dizer sobre a vida em quarentena e subaproveita seu ótimo protagonista.


Este texto faz parte da nossa cobertura para a 10ª edição do Olhar de Cinema.
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